As relíquias
sagradas
de Hitler
SIDNEY D. KIRKPATRICK
Para Alexander Kirkpatrick
Os homens anseiam mais pela glória do que pela virtude. A
armadura de um inimigo, seu capacete quebrado, a bandeira ar-
rancada de um navio conquistado são tesouros mais valorizados
do que todas as riquezas humanas. É para obter esses símbolos
de glória que generais, sejam eles romanos, gregos ou bárbaros,
enfrentam milhares de perigos e suportam inúmeras provações.
Juvenal, poeta romano do século II
Sumário
Nota do autor
1. Alameda dos Ferreiros 15
2. Monuments Men 25
3. Os rapazes do Campo Ritchie 46
4. A invasão de Nuremberg 58
5. O martelo de Thor 71
6. A caixa de Pandora 87
7. A Lança do Destino 110
8. Os acadêmicos de Himmler 129
9. O Jesus ariano 148
10. O reino de conto de fadas de Hitler 162
11. Os Cavaleiros Teutônicos 172
12. O inimigo nos portões 183
13. A cadeia de comando 195
14. O emissário de Himmler 203
15. As chaves da câmara subterrânea 210
16. O Reich sagrado de Hitler 226
17. Externsteine 239
18. O Camelot negro 254
19. A Casa Branca 267
20. Saques nazistas 280
21. Campo King 291
22. As Joias da Coroa 303
23. A barganha faustiana 311
24. O Quarto Reich 323
Epílogo 338
Notas 350
Agradecimentos 372
Nota do autor
A história real a seguir baseia-se em registros militares,
correspondências, diários, entrevistas, material de arquivos e nas
memórias orais inéditas da Segunda Guerra Mundial de Walter
Horn, professor de história da arte da Universidade da Califórnia
em Berkeley.
Capítulo 1
Alameda dos Ferreiros
23 de fevereiro de 1945
T
odas as manhãs, como o mecanismo de um relógio, os
bombardeiros aliados escureciam os céus sobre Namur, na
Bélgica. No último inverno da Segunda Guerra Mundial, centenas
de aviões, às vezes até mil, em grandes esquadrilhas conhecidas
como fluxos de bombardeiros, trovejavam sobre as cidades duran-
te uma hora ininterrupta ou mais, deixando rastros de fumaça de
quilômetros de extensão que permaneciam no ar bem depois de as
aeronaves terem desaparecido e de os bombardeiros terem lançado
sua carga letal sobre alvos na Alemanha e no Leste Europeu.
A chegada dos fluxos de bombardeiros aterrorizava os
soldados alemães detidos no centro de detenção do Exército
americano nos campos cobertos de neve da periferia de Namur.
Amontoados e tremendo nas áreas de confinamento, os prisio-
neiros olhavam ansiosos para o céu, receando o horror prestes
a ser lançado sobre os amigos e familiares em sua terra natal.
Seus captores americanos também observavam o sobrevoo dos
aviões, mas em vez de medo sentiam uma admiração tremenda
pelas equipes de bombardeio e seu poder de fogo. Elas eram o
martelo de prata que estava destruindo a máquina de guerra
nazista e logo possibilitaria ao exército aliado aniquilar Adolf
Hitler em seu próprio país. As missões de bombardeio – que
eram deflagradas dia e noite e tinham como objetivo atingir não
apenas alvos militares, mas também áreas industriais, destruindo
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cidades inteiras – eram o preço que a Alemanha pagava por sua
prolongada resistência.
O primeiro-tenente Walter Horn, um dos 10 interrogadores
do 3
o
Exército americano baseados no Campo Namur que fala-
vam alemão, aguardava com um misto de emoções a chegada
diária dessas esquadrilhas. Aos 36 anos, com tórax e ombros
largos, aparência de astro de cinema e uma esposa impaciente
esperando por ele em casa, em Point Richmond, à margem da
baía de São Francisco, Horn sentia imenso orgulho da capa-
cidade americana de fabricar, abastecer, conservar e mobilizar
milhares de aeronaves carregadas de bombas, lançando-as cente-
nas de quilômetros dentro do território inimigo. Embora ainda
não tivesse disparado uma arma em combate em dois anos de
serviço e sua unidade de inteligência móvel, comandada pelo
general George S. Patton, permanecesse confortáveis 80 quilô-
metros atrás das linhas de frente, Horn reconhecia o destemor
e a coragem das equipes aéreas e sentia uma afinidade especial
com os milhares de outros integrantes – soldados de artilharia
e infantaria, médicos e paramédicos, cozinheiros, auxiliares e
intendentes – do maior, mais ágil e mais bem equipado exército
que já existira.
Mas a visão dos fluxos de bombardeiros também deixava
Horn bastante ansioso. Como os prisioneiros que interrogava, ele
havia nascido e fora criado e educado na Alemanha. Nunca sabia
se um dos bombardeiros despejaria sua carga nos arredores da
casa de sua família em Heidelberg ou se um dia veria o semblante
de seu irmão mais velho, Rudolf, entre os rostos desesperados de
prisioneiros capturados e feridos.
Naquele inverno, o tenente Horn recebera ordens de ajudar a
descobrir se Hitler utilizaria armas químicas e biológicas quando
o exército aliado atravessasse o rio Reno e adentrasse o coração
da Alemanha. Circulavam rumores de que os alemães, em uma
última tentativa desesperada de abalar o moral das forças aliadas
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que se aproximavam, recorreriam a tais armas, como fizeram nas
trincheiras da França 27 anos antes.
A unidade de inteligência móvel de Patton preparara um
questionário detalhado para extrair a verdade dos detentos. Os
interrogadores não perguntavam a eles diretamente sobre esto-
ques de armas. Em vez disso, obtinham a informação por meio
de quatro dentre 150 perguntas aparentemente aleatórias. As res-
postas ajudavam a descobrir se os soldados haviam sido ensina-
dos a usar armas químicas e biológicas em batalha e se existiam
abrigos para a população civil escondidos atrás das linhas inimi-
gas. Mil e quinhentos soldados rasos, selecionados da infantaria
da Wehrmacht capturada na Bélgica após a Batalha das Ardenas,
haviam sido enviados a Namur com esse propósito. Como as
instalações eram inadequadas, muitos dos interrogatórios eram
realizados ao ar livre. O escritório de Horn, situado atrás das áreas
cercadas dos prisioneiros, consistia em dois caixotes de laranjas
vazios, uma pequena mesa emprestada por uma escola primária
próxima e uma pilha de questionários e lápis.
Horn já havia entrevistado 35 prisioneiros em 23 de feve-
reiro de 1945 quando um guarda do campo levou até ele Fritz
Hüber, de 48 anos, soldado raso da 2
a
Divisão Blindada alemã.
Magro e pálido, Hüber trajava o mesmo uniforme mal-ajustado
em que havia sido capturado, três semanas antes. Embora velho
pelos padrões do exército aliado, Hüber não era um recruta in-
comum da Wehrmacht, pois os alemães, após mais de cinco anos
de guerra contínua, estavam recrutando soldados dos 16 até os 60
anos, misturando-os em unidades de veteranos experientes nos
campos de batalha e fazendo com que cavassem trincheiras, trans-
portassem equipamentos nas costas ou em carroças e ajudassem
no que fosse necessário. A mão de obra alemã, assim como o óleo
diesel para acionar os tanques, era um recurso agora escasso.
Recrutado em Nuremberg, Hüber havia recebido menos de
um mês de treinamento antes de ser conduzido, sob a neve, para
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combater na Bélgica. Nada conhecia sobre armas químicas ou
biológicas. Horn conferiu as respostas do soldado raso em rápida
sucessão, obtendo nada mais do que “sim”, “não” e “não sei”.
Terminada a entrevista, Horn estava pronto para dispensar
seu prisioneiro. No entanto, como o tenente observaria mais
tarde num relato detalhado que fez da entrevista, subitamente
mudou de ideia. Olhando para o deplorável soldado raso Hüber
do outro lado da mesa, abatido pela falta de sono e sofrendo
claramente de reumatismo no frio úmido, Horn ofereceu a ele
um cigarro e uma xícara de café e perguntou se sabia de algo que
pudesse interessar à inteligência americana.
A careta que Hüber fez foi a de um menino que tivesse levado
bomba num exame na escola. Os olhos ficaram marejados. Ele
queria ajudar, ser útil.
O tenente testemunhara reações daquele tipo antes. Via-as
quase todo dia entre prisioneiros que haviam perdido tudo exceto
a vida. Homens como Hüber, recrutados nas ruas pela Gestapo
ou removidos à força de suas casas e obrigados a servir à pátria,
não eram nazistas convictos ou arrogantes. Muitos já haviam
perdido filhos e esposa na guerra ou tinham visto seus lares serem
incinerados. Eram combatentes relutantes. Depois de se renderem
ao inimigo, serem despojados de suas posses e conduzidos como
gado às áreas de confinamento, a maioria perdera os últimos vestí-
gios de autoestima. Como uma afronta final, eles agora viam e ou-
viam os fluxos incessantes de bombardeiros sobre suas cabeças e
sabiam que a situação era realmente desesperadora. Os novos e tão
alardeados interceptadores de jatos Messerschmitt de Hermann
Göring não eram avistados em lugar nenhum. Se Hitler realmente
possuísse uma arma secreta que viraria a maré da guerra, como
o ministro da Propaganda Joseph Goebbels havia prometido ao
povo alemão, àquela altura do confronto já a teria empregado.
Hüber e seus colegas prisioneiros sabiam que ninguém viria
resgatá-los. No entanto, apesar do desespero evidente dos pri-
10
sioneiros, Horn notava um estranho paradoxo neles. Aqueles
soldados de infantaria, mesmo os que haviam começado como
partidários do sonho insano do Führer de dominar o mundo, ain-
da desejavam ser úteis, queriam ter alguma importância. Estavam
desesperados para ajudar alguém, mesmo que fosse o inimigo. O
soldado raso Hüber e inúmeros outros como ele seriam os homens
que um dia retornariam para casa a fim de reconstruir sua nação.
O prisioneiro respondeu a Horn que infelizmente não pode-
ria ajudar em nada.
O tenente não esperava ouvir mais coisa alguma dele. Mas,
quando Hüber terminou seu café e Horn ia sinalizar aos guardas
do campo que o levassem de volta à área de confinamento, o ros-
to do soldado subitamente se iluminou.
– Você se interessa por arte e antiguidades? – perguntou Hüber.
Horn abriu um enorme sorriso. O soldado alemão não tinha
como saber que, na…