Quarto de despejo – Diário de um Favelada
© Carolina Maria de Jesus, 1992
GERENTE editorial • Paulo Nascimento Verano
editora assistente • FabianeZorn
COORDENADORA de revisão • Ivany Picasso Batista
apoio de redação • Pólen Editorial e Kelly Mayumi Ishida
preparação • Renato Nicolai
revisão • Bárbara Borges
ARTE projeto gráfico Tecnopop
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA -Tecnopop
coordenadora de arte • Soraia Scarpa
assistente de arte • Thatiana Kalaes
capa • Vinícius Rossignol Felipe
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
l56q
10. ed.
Jesus, Carolina Maria de, 1914-1977
Quarto de despejo: diário de uma favelada / Carolina Maria de Jesus;
10. ed. – São Paulo : Ática, 2014. 200p. : il.
Inclui apêndice e bibliografia ISBN 978-85-08-17127-9
1. Romance brasileiro. I. Felipe, Vinícius Rossignol.
II. Título.
14-16424.
CDD: 869.93 CDU:821.134.3(8l)-3
ISBN 978 85 08 17127-9 (aluno)
ISBN 978 85 08 17128-6 (professor)
Código da obra CL 738861 CAE 530921 AL CAE 530922 PR
2016
10-edição 4ª impressão
Impressão e acabamento: Edições Loyola
Todos os direitos reservados pela Editora Ática, 1993 Avenida das Nações Unidas, 7221 – CEP 05425-902 – São Paulo, SP Atendimento ao cliente: 4003-3061 – [email protected]
www.atica.com.br
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Carolina Maria de Jesus
Quarto de Despejo
Diário de Uma Favelada
Editora Ática
Nota dos Editores
Esta edição respeita fielmente a linguagem
da autora, que muitas vezes contraria a
gramática, incluindo a grafia e acentuação
das palavras, mas que por isto mesmo traduz
com realismo a forma de o povo enxergar
e expressar seu mundo.
Apresentação
Favela, o quarto de despejo de uma cidade
O cotidiano da favela já foi contado por diversos autores, de diferentes maneiras. Neste livro, a
perspectiva é outra: é a de quem vive na favela, mais especificamente a de uma catadora de papel que só
pôde chegar até o segundo ano do ensino fundamental.
Quarto de despejo é uma edição dos diários de Carolina Maria de Jesus, migrante de Sacramento,
Minas Gerais, mãe solteira e moradora da primeira grande favela de São Paulo, a Canindé, que foi
desocupada em meados dos anos 1960 para a construção da Marginal do Tietê.
O livro relata a amarga realidade dos favelados na década de 1950: os costumes de seus habitantes, a
violência, a miséria, a fome e as dificuldades para se obter comida. O tempo passou, a cidade cresceu, mas a
realidade de quem vive na miséria não mudou muito. Isso faz do relato de Carolina uma obra atemporal,
sempre emocionante.
Best-seller traduzido para 13 línguas, Quarto de despejo também é um referencial importante para
estudos culturais e sociais, tanto no Brasil como no exterior.
Conheça a história do descobrimento deste livro no prefácio a seguir, escrito pelo jornalista Audálio
Dantas. Ao final do livro, veja o depoimento de Carolina sobre a sua luta pela sobrevivência e sobre o seu
ponto de vista em relação ao sucesso desta obra.
Para os leitores desta edição de Quarto de despejo, é preciso que eu me apresente. Entrei na história deste
livro como jornalista, verde ainda, com a emoção e a certeza de quem acreditava poder mudar o mundo.
Ou, pelo menos, a favela do Canindé e outras favelas espalhadas pelo Brasil. Repórter, fui encarregado de
escrever uma matéria sobre uma favela que se expandia na beira do rio Tietê, no bairro do Canindé. Lá, no
rebuliço favelado, encontrei a negra Carolina, que logo se colocou como alguém que tinha o que dizer. E
tinha! Tanto que, na hora, desisti de escrever a reportagem.
A história da favela que eu buscava estava escrita em uns vinte cadernos encardidos que Carolina
guardava em seu barraco. Li, e logo vi: repórter nenhum, escritor nenhum poderia escrever melhor aquela
história – a visão de dentro da favela.
Da reportagem – reprodução de trechos do diário – publicada na Folha da Noite, em 1958, e mais tarde
11959) na revista O Cruzeiro, chegou-se ao livro, em 196O. Fui o responsável pelo que se chama edição de
texto. Li todos aqueles vinte cadernos que continham o dia-a-dia de Carolina e de seus companheiros de
triste viagem.
A repetição da rotina favelada, por mais fiel que fosse, seria exaustiva. Por isso foram feitos cortes,
selecionados os trechos mais significativos.
A fome aparece no texto com uma freqüência irritante. Personagem trágica, inarredável. Tão grande e tão
marcante que adquire cor na narrativa tragicamente poética de Carolina.
Em sua rotineira busca da sobrevivência no lixo da cidade, ela descobriu que as coisas todas do mundo – o
céu, as árvores, as pessoas, os bichos – ficavam amarelas quando a fome atingia o limite do suportável.
Carolina viu a cor da fome – a Amarela.
No tratamento que dei ao original, muitas vezes, por excessiva presença, a Amarela saiu de cena, mas não
de modo a diminuir a sua importância na tragédia favelada. Mexi, também, na pontuação, assim como em
algumas palavras cuja grafia poderia levar à incompreensão da leitura. E foi só, até a última linha.
ESCRITOR NENHUM PODERIA ESCREVER MELHOR AQUELA HISTORIA: A VISÃO
DE DENTRO DA FAVELA.
O tempo operou profundas mudanças na vida de Carolina, a partir do momento em que os seus escritos –
registros do dia-a-dia angustiante da miséria favelada -foram impressos em letra de fôrma, num livro que
correu mundo, lido, discutido e admirado em treze idiomas.
Um livro assim, forte e original, só podia gerar muita polêmica. Para começar, ele rompeu a rotina das
magras edições de dois, três mil exemplares, no Brasil. Em poucos meses, a partir de agosto de 196O,
quando foi lançado, sucessivas edições atingiram, em conjunto, as alturas dos 1OO mil exemplares.
Os jornais, as revistas, o rádio e a televisão, primeiro aqui e depois no mundo inteiro, abriram espaço para
o livro e para a história de sua autora.
O sucesso do livro – uma tosca, acabrunhante e até lírica narrativa do sofrimento do homem relegado à
condição mais desesperada e humilhante de vida – foi também o sucesso pessoal de sua autora,
transformada de um dia para outro numa patética Cinderela, saída do borralho do lixo para brilhar
intensamente sob as luzes da cidade.
Carolina, querendo ou não, transformou-se em artigo de consumo e, em certo sentido, num bicho estranho
que se exibia “como uma excitante curiosidade”, conforme registrou o escritor Luís Martins.
Mas, acima da excitação dos consumidores fascinados pela novidade, pelo inusitado feito daquela negra
semi-analfabeta que alcançara o estrelato e, mais do que isto, ganhara dinheiro, pairava a força do livro,
sua importância como depoimento, sua autenticidade e sua paradoxal beleza.
Sobre ele escreveram alguns dos melhores escritores brasileiros: Rachel de Queiroz, Sérgio Milliet, Helena
Silveira, Manuel Bandeira, entre outros. O que não impediu que alguns torcessem o nariz para o livro e até
lançassem dúvidas sobre a autenticidade do texto de Carolina. Aquilo, diziam, só podia ser obra de um
espertalhão, um golpe publicitário.
O poeta Manuel Bandeira, em lúcido artigo, colocou as coisas no devido lugar: ninguém poderia inventar
aquela linguagem, aquele dizer as coisas com extraordinária força criativa mas típico de quem ficou a
meio caminho da instrução primária. Exatamente o caso de Carolina, que só pôde chegar até o segundo
ano de uma escola primária de Sacramento, Minas Gerais.
O impacto causado por Quarto de despejo foi além das discussões sobre o texto. O problema da favela, na
época de dimensões ainda reduzidas em São Paulo, foi discutido por técnicos e políticos. Um grupo de
estudantes fundou o Movimento Universitário de Desfavelamento, cuja sigla – MUD – revelava, no mínimo,
uma intenção generosa.
Ou um sonho. E Carolina era alçada à condição de cidadã, com título oficial conferido pela Câmara
Municipal de São Paulo.
O cenário em que foi escrito o diário já não é o mesmo. Parte dele deu lugar ao asfalto de uma nova
avenida, por coincidência chamada Marginal. A Marginal do Tietê, que passa por ali onde até meados dos
anos 6O se erguia o caos semi-urbano e subumano da favela do Canindé, em São Paulo.
O resto foi ocupado por construções sólidas, ordenadas, limpas, aprumadas no lugar dos barracos cujos
ocupantes foram para outros cantos da cidade, para outros quartos de despejo.
Mais de trinta anos decorridos desde o aparecimento de Quarto de despejo, a cidade tem outra cara,
esparramada para muito além da avenida Marginal. E a favela do Canindé, onde viveu Carolina Maria de
Jesus, na rua A, barraco n °. 9, multiplicou-se em dezenas, centenas de outras.
Assim, Quarto de despejo não é um livro de ontem, é de hoje. Sua contundente atualidade é
dramaticamente demonstrada pelos arrastões que invadiram em 92 as praias da zona sul do Rio de
Janeiro. Os quartos de despejo, multiplicados, estão transbordando.
15 DE JULHO DE 1955 Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu
pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos generos
alimentícios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente somos
escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei
para ela calçar.
Eu não tinha um tostão para comprar pão. Então eu lavei 3 litros e
troquei com o Arnaldo. Ele ficou com os litros e deu-me pão. Fui receber o
dinheiro do papel. Recebi 65 cruzeiros. Comprei 20 de carne, 1 quilo de
toucinho e 1 quilo de açúcar e seis cruzeiros de queijo. E o dinheiro acabou-se.
Passei o dia indisposta. Percebi…





