A DAMA DAS
CAMÉLIAS
Alexandre Dumas
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A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho
Fonte:
DUMAS FILHO, Alexandre. A dama das camélias. São Paulo: Brasiliense, 1965.
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
São Paulo Permitido o uso apenas para fins educacionais.
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A Dama das Camélias
Alexandre Dumas Filho
PERSONAGENS
ARMANDO DUVAL
JORGE DUVAL, seu pai
GASTÃO RIEUX
SAINT-GAUDENS
GUSTAVO
CONDE DE GIRAY
ARTHUR DE VARVILLE
MÉDICO
ARTHUR
MENSAGEIRO
MARGARIDA GAUTHIER
NICHETTE
PRUDÊNCIA
NANINE
OLÍMPIA
ANAIS
EMPREGADOS E CONVIVAS
A ação tem lugar em casa de Margarida; numa casa de campo em Auteuil; em
casa de Olímpia e, novamente, em casa de Margarida.
ATO I
(“Boudoir” de Margarida. Uma porta ao fundo; à direita, uma lareira, à
esquerda, uma porta aberta, deixando à mostra uma mesa e candelabros. Á
direita, entre a lareira e a porta do fundo, outra porta. Piano, mesas, poltronas
e cadeiras).
CENA I
(Nanine está trabalhando; Varville está sentado junto à lareira. Ouve-se a
campainha).
VARVILLE Estão batendo.
NANINE Valentim vai abrir.
VARVILLE De certo é Margarida.
NANINE Ainda não. Só deve chegar às dez e meia e ainda são dez
horas… Veja! É dona Nichete
CENA II
NICHETTE (Da soleira, entreabrindo a porta) Margarida não está?
NANINE Não, senhora. Queria falar com ela?
NICHETTE Não. Passei por aqui e subi para lhe dar um abraço; mas
como não está já vou andando.
NANINE Espere um pouco, ela não deve demorar.
NICHETTE Não, não tenho tempo; Gustavo está lá embaixo. Ela vai
bem?
NANINE Vai como sempre.
NICHETTE Diga-lhe que um dia desses venho vê-la e que lhe deixei
um abraço. Até logo, Nanine. Adeus, meu senhor.
(Cumprimenta e sai).
CENA III
(Nanine e Varville)
VARVILLE Quem é essa moça?
NANINE É dona Nichette.
VARVILLE Nichette! Isso é nome de gata, não é nome de gente.
NANINE É um apelido. Tem os cabelos tão crespos que parece
mesmo uma gatinha. Foi colega da patroa na loja onde ela
antigamente trabalhava.
VARVILLE Então Margarida já trabalhou numa loja?
NANINE Foi bordadeira.
VARVILLE Ora vejam!
NANINE O senhor não sabia? Não é nenhum segredo.
VARVILLE É bem bonitinha, essa Nichette!
NANINE É ajuizada!
VARVILLE E esse tal de Gustavo?
NANINE Que Gustavo?
VARVILLE O que ela disse que estava esperando lá embaixo?
NANINE É o marido dela.
VARVILLE Então é o senhor Nichette?
NANINE Ainda não é o marido, mas logo vai ser.
VARVILLE Portanto, é o amante. Muito bem… A mocinha é ajuizada
mas já tem o seu amante.
NANINE Que só gosta dela, como ela só gosta dele e sempre há de
gostar. E com quem vai se casar, ouça o que estou lhe
VARVILLE (Levantando-se e se aproximando de Nanine). Afinal de
contas, pouco me importa… Parece que não estou
ganhando terreno aqui.
NANINE Não está mesmo.
VARVILLE Que idéia de Margarida…
NANINE O que?
VARVILLE Sacrificar todo o mundo a esse tal de Mauriac, que deve
ser um bom cacete.
NANINE Coitado! É a única felicidade que tem… É um pai para ela…
mais ou menos.
VARVILLE Claro! Anda correndo por aí uma estória muito patética.
Infelizmente…
NANINE Infelizmente, o que?
VARVILLE Eu não acredito nela.
NANINE (Levantando-se). Ouça, Sr. barão, há muito de verdade no
que corre sobre a patroa; razão de sobra para não se dar
ouvidos ao que é falso. Mas uma coisa eu lhe digo, porque vi
com os meus próprios olhos, e Deus é testemunha de que
não estou levando e trazendo pois a patroa não tem o menor
interesse em enganá-lo, nem se preocupa o mínimo em estar
bem ou mal com o senhor. … Mas como eu ia dizendo, há
dois anos atrás, depois de uma modéstia grave, a patroa foi
para uma estação de águas, convalescer. Eu fui com ela.
Entre os doentes que freqüentavam o balneário havia uma
moça, mais ou menos da idade dela, e com a mesma
moléstia, só que em grau mais adiantado. As duas pareciam
gêmeas. Essa moça era a filha do duque de Mauriac.
VARVILLE E a moça morreu.
NANINE Pois é.
VARVILLE E o duque, desesperado, descobrindo nos traços, na idade e
até na moléstia de Margarida a imagem da filha, implorou
que o recebesse e que o deixasse amá-la como um pai.
Então Margarida confessou sua condição…
NANINE Porque a patroa não mente.
VARVILLE Justo. Mas como Margarida não se parecia com ela no
moral, tanto quanto se parecia no físico, o duque
prometeu-lhe tudo, contanto que ela mudasse de vida com
o que Margarida concordou logo. Mas de volta a Paris é
claro que se esqueceu de tomar ao pé da letra a palavra
dada. E o duque… vendo que só recebia metade da
felicidade, cortou-lhe a mesada pela metade. Resultado:
Margarida tem hoje 50.000 francos de dívidas.
NANINE Que o senhor está pronto a pagar. Infelizmente há quem
prefira dever dinheiro aos outros, que reconhecimento ao
senhor.
VARVILLE Mesmo porque o conde de Giray está sempre à mão.
NANINE O senhor é impossível! O que eu posso afirmar é que a
estória do duque é verdadeira, dou-lhe a minha palavra.
Quanto ao conde não passa de um amigo.
VARVILLE Pronuncie melhor a palavra.
NANINE Isso mesmo, um amigo! Que língua o senhor tem, credo!
Estão batendo. Deve ser a patroa. Posso contar a ela o que
o senhor andou me dizendo?
VARVILLE (Dando-lhe a bolsa). Não, Nanine, não conte.
NANINE (Pegando a bolsa). O senhor merecia que eu contasse.
CENA IV
MARGARIDA (À Nanine). Mande aprontar a ceia, Nanine. Olímpia e
Saint-Gaudens vêm ai… encontrei-os na Ópera. (À
Varville). Você por aqui, Varville? (Vai sentar-se junto à
lareira).
VARVILLE O meu destino, senhora, é esperar por vós…
MARGARIDA Mas o meu destino, senhor, não é vos aturar…
VARVILLE Enquanto não me fechar a porta, hei de vir.
MARGARIDA Com efeito, não há uma só vez que eu entre em casa que
não o encontre esperando. O que ainda tem para me dizer?
VARVILLE Você bem sabe.
MARGARIDA A mesma coisa, sempre! Que monotonia Varville!
VARVILLE Que culpa eu tenho de gostar de você?
MARGARIDA Que bom argumento! Meu caro, se eu fosse obrigada a ouvir
todos os que gostam de mim, não me sobrava mais tempo
nem para jantar. Uma vez por todas, Varville, está perdendo
seu tempo. Deixo você vir quando lhe dá na cabeça entrar
quando não estou em casa, me esperar até minha
chegada…nem sei bem porque. Mas pretende continuar
falando de seu amor sem me dar trégua, eu o mando
embora.
VARVILLE No entanto, Margarida, o ano passado em Bágnères, você
me deu esperanças.
MARGARIDA Ah! Meu caro, isso foi em Bàgnères, eu estava doente,
aborrecida… Aqui é diferente, estou me sentindo bem e não
me aborreço mais.
VARVILLE Compreendo quando se é amada pelo duque de Mauriac…
MARGARIDA Que idiota!
VARVILLE E quando se gosta do conde de Giray…
MARGARIDA Posso gostar de quem quiser, ninguém tem nada com isso e
muito menos você; e sé só o que tem a dizer, pode ir
embora. (Varville começa a andar pela sala). Não quer ir
embora?
VARVILLE Não.
MARGARIDA Então sente-se ao piano. É a única coisa que sabe fazer.
VARVILLE O que quer que eu toque? (Nanine entra durante a música).
MARGARIDA O que quiser.
CENA V
(Os mesmos, Nanine).
MARGARIDA Deu ordens para a cela, Nanine.
NANINE Dei, sim senhora.
MARGARIDA O que é isso que você está tocando, Varville?
VARVILLE Uma “Rêverie” de Rosselen.
MARGARIDA Que bonito!…
VARVILLE Escute, Margarida, tenho 80.000 francos de renda.
MARGARIDA E eu, 100.000. (A Nanine). Você esteve com Prudência?
NANINE Estive, sim senhora.
MARGARIDA Ela vem cá, hoje de noite?
NANINE Vem, sim senhora assim que chegar. Dona Nichette esteve
aqui.
MARGARIDA E por que não me esperou?
NANINE O Sr. Gustavo estava lá embaixo. Quem também esteve
aqui foi o doutor.
MARGARIDA O que é que ele queria?
NANINE Recomendar à senhora que não se esquecesse do repouso.
MARGARIDA Como ele é bom! E que mais?
NANINE Também trouxeram umas flores.
VARVILLE Que eu mandei.
MARGARIDA (Pegando o ramalhete). Rosas e goivos. Leve essas flores
para o seu quarto, Nanine. (Nanine sai)
VARVILLE (Parando de tocar). Por que? Não gostou?
MARGARIDA Como é que me chamam?
VARVILLE Margarida Gauthier.
MARGARIDA Que apelido me deram?
VARVILLE A dama das camélias.
MARGARIDA Por que?
VARVILLE Porque são as únicas flores que costuma usar.
MARGARIDA…