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A Bordo
Ali fiquei atirado sobre um dos bancos de remadores de pequena embarcação, não
sei durante quanto tempo, imaginando que, se ao menos para isso me sobrassem
forças, poderia beber água do mar para morrer mais depressa. Enquanto permanecia
assim estendido, avistei, sem todavia ligar a isso maior interesse do que a
qualquer outra coisa que me deparasse, avistei uma vela no extremo da linha do
horizonte, a qual se dirigia para o meu lado. O meu espírito devia estar, nesse
momento, incapaz do mínimo raciocínio, mas, não obstante isso, lembro-me
perfeitamente de tudo quanto se passou.
Lembro-me do balanço infernal das ondas, que me fazia vertigens, e também parece-me
estar ainda presenciando a dança contínua da vela no horizonte; eu tinha a absoluta
convicção de estar já morto, e pensava, com amarga ironia, na inutilidade daquele
socorro que ia chegar demasiado tarde – e por tão pouco – para me achar ainda com
vida.
Durante um espaço de tempo que me parece u interminável, ali fiquei caído sobre o
banco, com a cabeça encostada à borda, vendo aproximar-se a goleta sacudida e
embalada pela vaga. Era uma pequena embarc ação aparelhada de velas latinas que
corria em grandes bordadas, pois o seu rumo era diretamente contrário ao vento.
Nem por um instante sequer me passou pelo espírito a idéia de tentar atrair-lhe
a atenção e, desde o momento em que lhe avistei distintamente o costado, até
aquele em que me achei em uma cabine de ré, só me restam reminiscências muito
confusas. Guardo ainda uma vaga impressão de ter sido suspendido até o
passadiço, de ter visto uma fisionomia rubicunda, cheia de manchas de sardas e
rodeada de uma cabeleira e de barbas ruivas, a qual olhava para mim do alto da
ponte; de ter também visto um outro rosto muito tisnado com uns olhos
extraordinários, muito perto dos meus; mas, até tornar a vê-los, acreditei ter
sido vítima de um pesadelo. Pareceu-me que pouco depois me deitaram entre os
dentes cerrados um líquido qualquer; e foi tudo.
Permaneci sem sentidos durante muito tempo. A cabina onde afinal voltei era
muito apertada e pouco limpa. Um homem ba stante moço, de cabelos louros, de
bigode amarelo e arrepiado, lábio inferior pendente, estava sentado junto de mim
e tomava-me o pulso. Ficamos por um instante a olhar um para o outro sem falar.
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Seus olhos eram pardos, úmidos e inexpressivos.
Então ouvi justamente por cima da minha cabeça, um ruído como o de uma cama de
ferro arrastada, e o grunhido surdo e irritado de um grande animal. Ao mesmo
tempo o homem falou, repetindo a pergunta já anteriormente feita: – Como se
sente agora?
Creio que respondi que me sentia bem . Não me era possível compreender o modo
como ali viera ter, mas o homem provavelmente leu nos meus olhos a pergunta que
eu não conseguia articular.
– Acharam-no em um barco – a morrer de fome. O barco chamava-se Senhora Altiva e
tinha na amurada manchas esquisitas.
Nesse momento, volvi os olhos para as mãos: estavam tão emagrecidas que pareciam
sacos de pele suja cheios de ossos; a esta vista, readquiri a lembrança do que
se passara.
– Tome um pouco disso, disse ele, e administrou-me uma dose de uma espécie de
droga vermelha e gelada. O senhor foi feliz em ser acolhido em um navio que
tinha a bordo um médico.
Ao falar, notava-se um defeito de articulação que o tornava um tanto cicios.
– Que navio é este? – proferi lentamente e com uma voz que o meu longo silêncio
tornara rouca.
– É um pequeno navio mercante que navega entre a África e o Calão. Chama-se
Ipecacuanha. Nunca perguntei de que país ele vem: sem dúvida do país dos loucos.
Da minha parte nada mais sou que um simples passageiro embarcado em Arisca.
Por cima da minha cabeça começou o ruído, misto de grunhidos coléricos e de
entonações de voz humana. Depois, outra vez intimou um “maldito idiota” a que se
calasse.
– O senhor estava quase morto, continuou o meu interlocutor, escapou de boa. Mas
presentemente inoculei-lhe um pouco de sangue nas veias. Não sente dor no braço?
São as injeções. Saiba que esteve sem sentidos durante perto de trinta horas.
A reflexão voltava-me lentamente. Fui arrancado ao meu devaneio
pelos latidos de uma matilha de cães.
– Posso tomar um pouco de alimento sólido? – perguntei.
– Graças a mim! – respondeu ele. Estão cozinhando carneiro para seu alimento.
– É isso, – afirmei com segurança, comerei de boamente um pouco de carneiro.
– Mas, continuou ele com uma excitação, estou ansioso por saber a causa por que
o senhor se encontrava só, dentro daquele barco. Julguei perceber no seus olhos
uma certa expressão de desconfiança.
– Diabos levem estes bramidos! E saiu precipitadamente da cabine. Ouvi-o
disputar violentamente com alguém que me pareceu respon der-lhe em uma linguagem
ininteligível. A discussão pareceu acabar por meio de murros, mas nesse ponto,
cuidei que me iludia o ouvido. Depois o médico principiou a chamar pelos cães,
em altos brados, e em seguida voltou para o camarote.
– Ora muito bem! – disse ele, assim que apontou no limiar da entrada, ia
principiar a contar-me a sua história.
Primeiramente fiz-lhe saber que me chamava Eduardo Prendick e que me ocupava
muito de história natural para esquivar-me ao tédio das horas desocupadas que me
proporcionava a minha relativa fortuna e a minha posição independente. Isto
pareceu interessá-lo.
– Eu também me dedico às ciências, – confessou ele. Fiz os meus estudos de
biologia no University College de Londres, estirpando os óvulos das lombrigas e
os órgãos dos caracóis. Ah! sim, já lá se vão dez anos. Mas
continue…continue…diga-me porque estava naquele barco.
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Contei-lhe o naufrágio da Senhora Altiva, o modo pelo qual pude escapar-me na
iole de bordo com Helmar e Constans, a discussão que houve sobre a partilha das
rações, e como os meus dois companheiros caíram por cima da borda, no meio de
uma luta corpo a corpo.
Parece que lhe agradou a franqueza com que lhe narrei a minha história.
Sentia-me horrivelmente fraco e falara-lhe em frases curtas e concisas. Assim
que acabei, ele tornou a conversar sobre história natural e sobre os seus
estudos biológicos.
Segundo todas as probabilidades, devia ter sido um estudante de medicina muito
medíocre; por fim principiou a falar de Londres e dos prazeres que ai se
encontram; até mesmo chegou a me contar algumas anedotas.
– Há dez anos que abandonei tudo isso. Era moço e divertia-me! Mas fui demasiado
estúpido… Aos vinte e um anos tinha dissipado tudo quanto possuía. Posso dizer
que hoje estou muito diferente… Mas preciso de ir ver o que o idiota do
cozinheiro está fazendo do seu carneiro.
O grunhido, por cima da minha cabeça, recomeçou tão inesperadamente e com uma
cólera tão selvagem que estremeci.
– Que é isto? – gritei; mas a porta estava fechada.
Daí a pouco ele voltou com o carneiro cozido e o cheiro apetitoso fez-me
esquecer de perguntar-lhe a causa daqueles bramidos de animais que eu tinha
ouvido.
Após um dia passado entre refeições e somos alternados, recobrei um pouco as
forças perdidas durante aqueles oito…