Comédias Para Se Ler na Escola

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Comédias para se ler na escola
Luís Fernando Veríssimo
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Agosto, 2004 by Yuna
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Bom de Ouvido
por Ana Maria Machado
Volta e meia a gente encontra alguém que foi alfabetizado, mas não sabe ler.
Quer dizer, até domina a técnica de juntar as sílabas e é capaz de distinguir
no vidro dianteiro o itinerário de um ônibus. Mas passa longe de livro,
revista, material impresso em geral. Gente que diz que não curte ler.
Esquisito mesmo. Sei lá, nesses casos, sempre acho que é como se a pessoa
estivesse dizendo que não curte namorar. Talvez nunca tenha tido a chance
de descobrir como é gostoso. Nem nunca tenha parado para pensar que, se
teve alguma experiência desastrosa em um namoro (ou em uma leitura), isso
não quer dizer que todas vão ser assim. É só trocar de namorado ou
namorada. Ou de livro. De repente, pode descobrir delícias que nem
imaginava, gostosuras fantásticas, prazeres incríveis. Ninguém devia ser
obrigado a namorar quem não quer. Ou ler o que não tem vontade. E todo
mundo devia ter a oportunidade de experimentar um bocado nessa área, até
descobrir qual é a sua.
Durante 18 anos, eu tive uma livraria infantil. De vez em quando, chegavam
uns pais ou avós com a mesma queixa: “O Joãozinho não gosta de ler, o que
é que eu faço?” Como eu acho que o ser humano é curioso por natureza e
qualquer pessoa alfabetizada fica doida pra saber o segredo que tem dentro
de um livro (desde que ninguém esteja tentando lhe impingir essa leitura
feito remédio amargo pela goela abaixo), não acredito mesmo nessa história
de criança não
gostar de ler. Então, o que eu dizia naqueles casos não variava muito.
A primeira coisa era algo como “pára de encher o saco do Joãozinho com
essa história de que ele tem que ler”. Geralmente, em termos mais delicados:
“Por que você não experimenta aliviar a pressão em cima dele, e passar uns
seis meses sem dar conselhos de leitura?”
O passo seguinte era uma sugestão: “Experimente deixar um livro como este
ao alcance do Joãozinho, num lugar onde ele possa ler escondido, sem
parecer que está fazendo a sua vontade. No banheiro, por exemplo.” E o que
eu chamava de um livro como este, já na minha mão estendida em oferta,
podia ser um exemplar de O Menino Maluquinho, do Ziraldo, ou do
Marcelo, Marmelo, Martelo, da Ruth Rocha, ou de O Gênio do Crime, do
João Carlos Marinho. Havia vários outros títulos que também serviam. Mas o
fato é que, em 18 anos de experiência, NUNCA, nem uma única vez,
apareceu depois um pai reclamando que aquela sugestão não tinha dado
certo. Pelo contrário, incontáveis vezes o encontro seguinte já incluía um
Joãozinho entusiasmado, comentando o livro lido e disposto a fazer novas

descobertas. Para adolescentes e jovens, a coisa é um pouco mais
complicada. Não porque não haja livro bom assim como os que citei. Pelo
contrário, tem de montão. Eu seria capaz de encher páginas e páginas só
dando sugestões e comentando cada uma delas. A quantidade chega até a
atrapalhar a escolha, não é esse o problema. Mas aí já entram em cena muitas
outras variáveis.
O fôlego de leitura do sujeito, por exemplo. Igualzinho ao que acontece nos
esportes. Como quem sabe que não vai agüentar jogar noventa minutos, e
então nem bate uma bolinha, dizendo que acha futebol um jogo idiota. Há
quem desanime só de ver o número de paginas do livro, ou o tamanho da
letra, ou o fato de não ter ilustração. Nesse caso, o cara acha que vai ficar de
língua de fora e pagar o maior mico. Não percebe que não está competindo
com ninguém.
Também não tem ninguém na arquibancada olhando sua performance. Dá
para levar o tempo que quiser para chegar ao fim do livro. Ler uma página
por dia, por exemplo, se não quiser ir mais depressa. Num livro como este
aqui, dá pra fazer isso – as histórias são curtinhas.
Para outros candidatos a leitor, não é uma questão de fôlego, mas de medo de
não ter musculatura para ler. De só dar chute chocho e a bola não ir longe.
De não agüentar a força do que está escrito, não entender umas palavras, não
perceber o que o autor quer dizer e ficar se achando um burro. Se nunca usar,
o músculo pode acabar
tão atrofiado que o cara não consegue nem mastigar, fica feito um bebê, só
come papinha, sopa e sorvete. Incapaz de traçar um churrasco – para não falar
em ir ao supermercado trazer a carne, ou plantar a própria horta. Dá um
trabalho… Quando vejo essa atitude, sempre me lembro daquela frase: “Acha
que educação custa caro?
Experimente só a ignorância…” Mas, de qualquer modo, dá também para ser
solidário com quem ainda não teve chance de desenvolver sua musculatura
leitora. Tudo bem, vamos devagar. Lendo textos curtos, fáceis, divertidos,
variados, numa linguagem clara e parecida com a que a gente fala todo dia (e
toda noite, não há limites).
É só folhear este livro. Pode ser que alguma história atraia sua atenção e
mostre que, mesmo que uma ou outra palavra lhe escape, ninguém está
falando complicado.
Outra questão difícil na escolha de uma leitura de jovens e adolescentes, em
minha opinião, é que eles já são praticamente adultos. Ainda mais hoje em
dia, e no nosso país. Não têm que ficar lendo histórias de uma turminha de
garotos que só se trata por apelidinhos idiotas e inventa uma máquina do
tempo ou apura um crime, ou enfrenta o terror de múmias e mortos-vivos a
serviço de um cientista maluco, ou vive aventuras nos Mares do Sul, no Vale
dos Dinossauros, na Galáxia Superior ou no Reino do Escambau. É até uma

falta de respeito com a inteligência e a capacidade dos jovens. Eles podem
rir, brincar, gostar de ter amigos e de se divertir, mas também gostam muito
de pensar e de criticar um bocado das heranças malucas que esse chamado
mundo dos adultos está deixando para eles. E muitos dos livros que esses
adultos (que muitas vezes não lêem) querem que eles leiam ficam batendo
nessa tecla da “bobajada divertida”.
Coisas que até tinham algum sentido em gerações anteriores, mas hoje
apanham de goleada de qualquer videogame – porque são um tipo de
diversão que não precisa de palavras.
E quando os livros que os adultos querem que os jovens leiam não são esses,
pior ainda: lá vem aqueles autores do século XIX… e já estamos no XXI!
Podem ser ótimos, importantes e tudo o mais – ninguém está negando isso.
Mas não são o tipo de leitura ideal para aquele primeiro namoro/leitura cheio
de delícias e gostosuras, quando o leitor ainda nem tem vinte anos.
E tem mais. Nessa idade, todo mundo gosta de procurar sua tribo. Há quem
goste de pagode, quem se amarre em música sertaneja, quem só queira saber
de rock. A turma que madruga e batalha para conciliar estudo e trabalho, o
pessoal que discute política e faz manifestação, a moçada que não está nem
aí. Se eles não se vestem igual, não freqüentam os mesmos lugares, não se
deslocam nos mesmos transportes, não curtem o mesmo tipo de música, não
falam a mesma gíria, como é que de repente a gente vai encontrar um livro
assim como O Menino Maluquinho para jovens, capaz de atingir a todos, tão
diferentes?
A sorte é que o Brasil é incrível e produz essas coisas. A nossa cultura tem
sido capaz de revelar de vez em quando uns artistas que são assim, porta-
vozes de todos. Tipo Chico Buarque na música. Ou um filme como Central
do Brasil, no cinema. E muitos outros.
Mais do que isso: tem sido uma permanente preocupação da arte brasileira,
desde o modernismo de 1922, procurar ao mesmo tempo inventar uma
linguagem nova e se expressar de uma maneira reconhecida por todos como
nossa, brasileira. No caso da literatura, todo escritor que surgiu desde essa
época teve que em algum momento decidir que tipo de língua ia usar para
ajudar a criar a linguagem escrita brasileira. Um português que não seja
artificial, enquadrado e certinho como impingiam os gramáticos lusitanos,
mas que também não se transforme no vale-tudo dos locutores esportivos,
tão pretensioso, ignorante e cheio de erros, tão consagrador das manias
pessoais que pode acabar levando a uma situação em que daí a algum tempo
ninguém mais se entende. Enfim, os escritores brasileiros do século XX
tiveram que enfrentar o desafio de estabelecer o português do Brasil, fiel ao
espírito do idioma que herdamos, mas atento ao que se diz de verdade pelo
país afora, em casa ou na rua. Um português correto, mas brasileiro. Para ser
um bons escritor, foi sendo necessário ter bom ouvido, ser meio músico. E,

além disso, captar nossas pausas para rir. Coisa superimportante para todos
nós.
Tem humorista que acha que é escritor. Nem sempre dá certo, às vezes fica
até meio patético, sem graça e sem garra, dá pena. Mas talvez ainda seja pior
o caso dos escritores metidos a engraçados. Dão mais pena ainda,
constrangem o leitor. Ainda…

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