Diário de Tremembé – Acir Filló

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Diário de Tremembé – Acir Filló

O Diário Proibido: A Trajetória de Acir
Filló e as Revelações Ocultas do
“Presídio dos Famosos”
Introdução: O Eco de um Livro Proibido
No final de 2025, o cenário do streaming brasileiro foi redefinido por um fenômeno. A série
Tremembé, do Prime Video, não apenas se tornou um sucesso de audiência, mas um
evento cultural.
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Desbancando a aclamada Cangaço Novo, a produção se consolidou como

o maior sucesso nacional da história da plataforma no Brasil, chegando a provocar um salto
de mais de 50% na base de assinantes, motivado pela curiosidade em torno da trama.
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A série, baseada nos meticulosos livros-reportagem do jornalista Ullisses Campbell
4
,
dramatiza a convivência de notórios criminosos brasileiros. Contudo, ao mergulhar na
mitologia da Penitenciária II de Tremembé, a ficção introduziu um personagem que, na vida
real, era um cronista dos mesmos eventos: Acir Filló.
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A aparição de Filló na série
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—um ex-prefeito condenado por corrupção—provocou um
efeito imediato e paradoxal. O público, atraído pela narrativa oficial de Campbell, iniciou
uma busca frenética por uma obra concorrente, um verdadeiro samizdat do sistema
prisional: Diário de Tremembé – O Presídio dos Famosos.
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A ironia é que este livro,
escrito por Filló, está banido e proibido pela Justiça desde 2019.
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Assim, a série do Prime Video, ao ficcionalizar Filló, inadvertidamente ressuscitou seu livro
censurado, transformando o que a Justiça classificou como “fofoca”
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em um dos
documentos mais cobiçados do true crime nacional.
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A ficção, baseada em jornalismo,
tornou-se o principal vetor de marketing para uma obra que o próprio sistema judicial tentou
ativamente suprimir. A trajetória de Acir Filló, de político a detento, de autor proibido a
personagem de streaming, encapsula as complexas e muitas vezes contraditórias relações
entre crime, mídia e justiça no Brasil. O Autor-Detento: A Queda do Prefeito Jornalista
Para compreender o Diário de Tremembé, é imperativo primeiro compreender seu autor.
Acir Filló não era um detento comum; ele possuía uma identidade dual que se tornaria
fundamental para sua sobrevivência e sua notoriedade na prisão: era jornalista de profissão
e político por eleição.
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Sua carreira política atingiu o ápice como prefeito de Ferraz de Vasconcelos, na Grande
São Paulo.
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No entanto, sua gestão foi abruptamente interrompida. Em 27 de abril de 2017,
Filló foi preso
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no âmbito de investigações do Grupo de Atuação Especial e Combate ao
Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público.
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As acusações eram graves: corrupção, fraude em licitações e lavagem de dinheiro.
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As
investigações apontavam licitações irregulares que teriam lesado os cofres públicos em pelo
menos R$ 15 milhões.
19
Um relatório do Ministério Público de São Paulo destacou que seu

patrimônio teria aumentado em 31 vezes durante sua gestão, supostamente devido a
esquemas de desvio de recursos.
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Condenado a quase 20 anos de prisão
9
, ele foi
enviado para a Penitenciária de Tremembé.
A Delação Fracassada
Uma vez dentro do sistema, Filló tentou usar sua ferramenta mais afiada: a informação. Em
outubro de 2017, ele propôs um acordo de delação premiada.
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O conteúdo da proposta
era explosivo. Filló confessou seu próprio envolvimento, admitindo que “todos os
contratos/licitações foram fraudados também na minha gestão, gerando propinas para
mim”.
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Contudo, sua delação era primariamente uma arma apontada para outros. Ele acusou seu
antecessor, Jorge Abissamra (PSB), de montar uma “quadrilha” para saquear a prefeitura;
acusou seu sucessor (e ex-vice), José Izidro Neto (MDB), de perpetuar o esquema; e
detalhou a participação de pelo menos 18 vereadores.
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Filló alegou ter se tornado “refém”
de um sistema corrupto que “herdou”.
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Apesar da riqueza dos detalhes—Filló chegou a admitir a aquisição de R$ 2,5 milhões em
imóveis com dinheiro de propina
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—a negociação fracassou. Em setembro de 2018, a
Procuradoria de Justiça arquivou a proposta. O motivo foi técnico e demolidor: Filló foi
instado a “indicar provas e a apontar o montante que seria devolvido”, mas “nenhuma prova
material foi apresentada e nenhum valor foi indicado”.
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O arquivamento de sua delação é o evento-chave que precipita a criação do Diário de
Tremembé. Tendo falhado em usar a informação como moeda de troca com o sistema
judicial—que exige provas—, Filló se voltou para um novo público: a sociedade. O livro é,
em essência, sua segunda tentativa de delação. Desta vez, uma delação pública, onde ele
não precisaria de “provas materiais”, apenas de uma narrativa convincente e de alvos que
gerassem interesse midiático: os criminosos famosos.
O Purgatório dos Notáveis: Anatomia da Penitenciária
de Tremembé
Acir Filló foi encarcerado na Penitenciária II de Tremembé, um local que, no imaginário
popular, funciona como o “presídio dos famosos”.
1
Esse apelido, no entanto, é enganoso. A
unidade não oferece luxo; oferece segregação.
A existência de Tremembé como um enclave para presos de alta repercussão midiática é
uma política de segurança pública, uma consequência direta do massacre do Carandiru em
1992.
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Após a desativação do complexo, a Secretaria da Administração Penitenciária

(SAP) designou unidades específicas para garantir a integridade física de detentos que
seriam sumariamente executados na massa carcerária comum.
25
O critério de admissão em Tremembé é a notoriedade do crime ou a natureza do
condenado.
1
A unidade abriga aqueles que cometeram “atos tão brutais que elas não
sobreviveriam em uma penitenciária comum”.
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Crucialmente, a penitenciária segue uma
política rígida de não abrigar membros de facções criminosas
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, criando um ambiente
controlado, porém socialmente complexo.
Ao longo dos anos, isso transformou Tremembé em um “Hall da Fama” do crime brasileiro.
O “elenco” de residentes e ex-residentes que conviveram no local inclui figuras como
Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga, Anna Carolina Jatobá, Alexandre Nardoni, os
irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, Roger Abdelmassih, Lindemberg Alves e Gil Rugai.
1

Recentemente, a unidade recebeu condenados como o ex-jogador Robinho e o ex-policial
militar Ronnie Lessa.
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A rotina interna é estruturada, com oportunidades de trabalho em oficinas (reforma de
carteiras escolares, montagem de móveis) e programas educacionais.
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Foi nesse cenário
que Acir Filló, o jornalista, entrou. Ele não viu apenas uma prisão; ele viu o “backstage” das
histórias que ele mesmo poderia ter coberto em sua carreira.
A política da SAP, ao concentrar todos os criminosos midiáticos em um único local, criou
inadvertidamente um laboratório social. Filló percebeu que seus companheiros de cela não
eram apenas criminosos, mas personagens públicos. Isso o levou à sua atividade mais
singular, conforme ele mesmo relata: a de “media trainer”. Filló afirma ter treinado presos
famosos para audiências e entrevistas
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, ensinando-os a “performar” para a Justiça e para
a imprensa. Ele cita Alexandre Nardoni e Lindemberg Alves como seus “alunos” mais
difíceis
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, uma atividade meta-narrativa que expõe a natureza performática do próprio
sistema de justiça criminal.
O Diário: Um Confessionário ou uma Delação?
Produto dessa imersão, o livro Diário de Tremembé – O Presídio dos Famosos – Histórias de
vida e de morte que abalaram o país
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foi publicado em 2019 pela editora Nova Brasil
Esperança Brasil Eireli.
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A obra não é um diário introspectivo, mas um compilado de
revelações e observações explosivas sobre seus companheiros de cárcere, muitas das
quais Filló atribui a confissões diretas.
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O conteúdo do livro se baseia naquilo que o autor alega ter ouvido ou observado
diretamente. Filló se posiciona não como um detento, mas como um confidente, um
“consigliere” dos presos famosos. O método jornalístico empregado é o da atribuição de
segunda mão—Fulano me disse que Beltrano fez—, o que confere ao texto um tom de
fofoca, mas com negação plausível.
As alegações centrais do livro, que acabariam por selar seu destino, são detalhadas na
tabela abaixo:
Detento
Famoso
Crime Original Alegação/Relato no Livro
de Filló
Fonte da Alegação
(segundo Filló)
Roger
Abdelmassih
Estupro de
pacientes
30
Fraudou seu estado de
saúde para conseguir prisão
domiciliar.
22
Dr. Carlos Sussumu
(outro detento)
37
Suzane von
Richthofen
Parricídio
(planejamento)
29
Participou ativamente dos
golpes nos pais, após eles já
terem sido atacados pelos
irmãos Cravinhos.
22
Cristian Cravinhos
(codenado)
22
Alexandre
Nardoni
Homicídio da
filha, Isabella
Nardoni
28
Mantém a inocência (“Eu
não matei minha filha”).
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Filló relata que Nardoni
chorou e ficou “destroçado”
ao ver uma foto da filha.
23
Observação direta
de Filló e desabafo
de Nardoni
23
Mizael Bispo Homicídio de
Mércia
Nakashima
11
Alega ter sido “massacrado
e condenado pela
imprensa”, e não por
provas.
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Mizael Bispo (em
desabafo)
37

Gil Rugai Homicídio do pai
e da madrasta
11
É “100% inocente”.
23 Acir Filló
(opinião/análise)
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Além dessas revelações, Filló gaba-se de seu papel como consultor: “Criei estratégias,
treinei presos famosos para audiências… Fiz um verdadeiro media training com eles”.
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Essa auto-afirmação é crucial, pois visa dar credibilidade a todas as outras alegações: ele
não era um mero ouvinte, mas um participante ativo na construção das narrativas públicas
desses criminosos.
A Sentença do Diário: Censura ou Proteção da
Privacidade?
O Diário de Tremembé teve vida curta nas prateleiras. Em agosto de 2019, poucos meses
após o lançamento, a Justiça de São Paulo agiu.
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A juíza Sueli Zeraik de Oliveira Armani,
da Vara de Execuções Criminais de Taubaté, determinou a proibição e o recolhimento dos
exemplares, atendendo a um pedido do Ministério Público.
14
A fundamentação legal…

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