Stephen King
À espera de um milagre
Título original: The Green Mile
Foto da capa: Tom Hanks no filme À espera de Um Milagre,
de Frank Darabont
Copyright (c) 1996 by Stephen King
Círculo de Leitores
ISBN 972-42-2244-6
Prefácio
Uma carta
27 de Outubro de 1995
Caro Leitor Constante,
A vida é um negócio deveras caprichoso. A história que tem início neste
pequeno livro existe nos moldes presentes por causa de uma observação
ocasional feita por um agente de bens imobiliários que nunca conheci. Isso
aconteceu há um ano em Long Island. Ralph Vicinanza, um amigo de há muito e
meu associado de negócios (em essência, a sua atividade é comercializar no
estrangeiro os direitos relativos a livros e histórias), tinha acabado de alugar
uma casa nessa localidade. O agente da imobiliária comentou que a propriedade
“parecia ter sido tirada de uma história de Charles Dickens”.
Aquela observação continuava gravada nos pensamentos de Ralph quando
deu as boas-vindas ao primeiro convidado que recebeu, o editor britânico
Malcolm Edwards. Repetiu o comentário a Edwards e ambos encetaram uma
conversa trivial acerca de Dickens. Edwards mencionou que este escritor tinha
publicado muitos dos seus romances em fascículos, quer inseridos em
suplementos de revistas, quer por si próprios sob a forma de pequenos livros
populares (publicações de dimensões mais pequenas do que o livro habitual, os
quais sempre me mereceram grande apreço pela intimidade e cordialidade que
inspiram). Alguns desses romances, acrescentou Edwards, eram escritos e
revistos quase na data da publicação; ao que tudo indica, Charles Dickens era
um romancista a quem os prazos estipulados não assustavam por aí além.
Os contos de Dickens em fascículos eram imensamente populares; de fato,
eram tão populares que um deles desencadeou uma tragédia em Baltimore. Um
vasto número de admiradores de Dickens apinhou-se numa doca, bem junto à
linha de água; em antecipação à chegada do navio inglês que transportava a
bordo o fascículo final de A Loja de Antiguidades. De acordo com o que a
história nos diz, vários dos potenciais leitores foram empurrados para a água,
tendo-se afogado.
Não me parece que tanto Ralph como Malcolm desejassem que qualquer
pessoa se afogasse, mas tal não os impediu de sentirem uma certa curiosidade
quanto ao que poderia vir a acontecer, caso se experimentasse a publicação de
obras em fascículos nos nossos dias. Na ocasião, nenhum deles se apercebeu de
imediato que isso já fora feito (na realidade, não existe nada de novo sob o Sol),
pelo menos em duas circunstâncias. Tom Wolfe publicou a primeira edição do
seu romance A Fogueira das vaidades na revista Rolling Stone, e Michael
McDowell (The Amulet, Gilded Needles, The Elementals e o argumento
cinematográfico Beetlejuice – Os Fantasmas Divertem-se) publicou um romance
com o título Blackwater em fascículos de capa mole. Esse romance – uma história
de horror sobre uma família do Sul com a desagradável característica familiar de
se transformarem em aligatores – não foi o melhor da safra de McDowell, o que
em qualquer dos casos não impediu que a Avon Books tivesse obtido um grande
êxito.
Mais ainda, os dois homens começaram a especular sobre o que poderia
acontecer se um escritor de ficção popular tentasse publicar na nossa época um
romance em fascículos, sob a forma de pequenos livros de bolso – livros de capa
mole de dimensões reduzidas ao preço de uma libra ou duas na Grã-Bretanha,
ou talvez por quatro dólares nos Estados Unidos (onde a maior parte dos livros
de bolso, presentemente, é comercializada ao preço de seis dólares e noventa e
nove cêntimos ou sete e noventa e nove). Alguém como Stephen King poderia
embarcar numa experiência interessante como essa, disse Malcolm e, a partir
daí, a conversa enveredou por tópicos diferentes.
Ralph, até certo ponto, esqueceu-se daquela idéia, embora esta tivesse
voltado a ocorrer-lhe no Outono de 1995, quando do seu regresso da Feira do
Livro de Frankfurt, um certame internacional onde todos os dias surgem
oportunidades de negócio para agentes literários…