Alice através do espelho

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NO PAÍS DAS
MARAVILHAS
Lewis Carroll
Edição Bilíngue

ATRAVÉS
DO ESPELHO
Traduzido por Ricardo Giassetti

U
CASA DE ESPELHO
ma coisa era certa: a gatinha branca não tinha culpa de
nada. Se havia um culpado, era a gatinha preta. Isso
porque o rosto da gatinha branca estava sendo
cuidadosamente lambido e limpo pela gata mãe havia uns bons
quinze minutos (ela aguentava muito bem, diga-se de passagem).
Por isso, entenda, ela não podia estar metida na confusão.
A gata Diná lavava o rosto de suas crias assim: segurava o
filhote pela orelha com uma pata enquanto esfregava e lambia a
cara toda do pequenino, sempre em sentido contrário, a começar
pelo nariz. Neste instante, como já disse, Diná se empenhava na
gatinha branca, deitada bem quietinha — ela mantinha-se
imóvel, pois sabia que tudo estava sendo feito para o seu próprio
bem.
A gatinha preta, por sua vez, tinha sido lambida e limpa no
início da tarde. Então, enquanto Alice estava aninhada em um
dos cantos da grande poltrona, meio conversando sozinha e
meio cochilando, a gatinha se esbaldava com a bola de lã que
Alice havia enrolado. Jogou o novelo para todos os lados até
desmanchá-lo completamente. No meio do tapete, agora forrado
de nós e maranhas, a gatinha corria atrás do próprio rabo.
— Ah, sua sapeca! — exclamou Alice. Apanhou a gatinha e lhe
deu um beijinho para que entendesse o tamanho da sua
encrenca. — É verdade, Diná deveria ter te educado melhor!
Deveria sim, Diná, você sabe que deveria! — acrescentou, com um

olhar de reprovação para a gata e a voz mais zangada que
conseguia fazer.
Voltou para a poltrona com a gatinha e a lã para refazer o
novelo, mas o serviço rendia pouco. Alice não parava de falar.
Algumas vezes, com a gatinha; outras vezes, sozinha. Kitty
sentou-se comportadamente sobre seu joelho, fingindo interesse
em ver Alice enrolar a lã. Levantava a pata e tocava o novelo com
cuidado como se quisesse ajudar.
— Sabe que dia é amanhã, Kitty? — começou Alice. — Você
saberia se tivesse ficado comigo na janela. Só que a Diná estava
cuidando de você, por isso não sabe de nada. Vi os meninos
recolhendo lenha para a fogueira. Necessitavam de muita lenha,
Kitty! Só que ficou tão frio e nevou tanto que desistiram do
trabalho. Tudo bem, Kitty, teremos fogueira amanhã.
Alice deu umas duas ou três voltas com o fio de lã no pescoço
da ga­tinha, só para ver como ficava. Foi um desastre! O novelo
rolou para o chão e metros e metros de lã se desenrolaram
novamente.
— Eu fiquei tão zangada com toda essa bagunça, Kitty —
continuou Alice, quando se sentaram de novo —, que quase abri
a janela para colocar você na neve! Seria merecido, sua
bangunceirinha linda! Você, por acaso, teria algum argumento
razoável para se defender? Mas não me interrompa! — E
continuou com um dedo em riste: — Vou apontar todos os seus
deslizes. Primeiro: reclamou duas vezes enquanto Diná lavava
seu rosto hoje. Não tem como negar, Kitty. Eu ouvi! O que você
disse? — E fingiu que a gatinha respondia. — A pata dela entrou
no seu olho? Bem a culpa foi sua, porque não fechou os olhos.

Agora, chega de desculpas e escute! Segundo: você puxou a Floco
de Neve pelo rabo quando servi um prato com leite a ela! Ah,
também estava com sede, né? E ela também não estava? E
terceiro: desenrolou o novelo até o fim quando eu me distraí!
— Foram três deslizes, Kitty, e você ainda não foi punida por
nenhum deles. Sabia que estou reservando todos os castigos para
daqui a duas quartas-feiras…? Imagine se tivessem reservado
todos os meus! — continuou, falando mais sozinha do que para a
gatinha. — O que fariam comigo no final do ano? Acho que eu iria
para a cadeia. Ou, deixa eu pensar, imagino que cada castigo
seria dormir sem jantar. Aí, quando o dia fatídico chegasse, eu
ficaria sem jantar…

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