Traduzido por
Adriana Zoudine
Illustrado por
André Ducci
1. COMO O MESTRE GOIABA,
MARCENEIRO, ENCONTROU UM
PEDAÇO DE MADEIRA QUE CHORAVA
E RIA COMO UMA CRIANÇA
E
ra uma vez…
— Um rei! — logo dirão os meus pequenos leitores.
Não, crianças, erraram. Era uma vez um pedaço de
madeira.
Não era madeira de lei, mas um simples pedaço de
lenha, daqueles que no inverno se põe no fogareiro e na
lareira para esquentar a sala.
Não sei como aconteceu, mas o caso foi que, num belo
dia, esse pedaço de madeira apareceu na oficina de um
velho marceneiro chamado mestre Antonio, mas que todos
chamavam de mestre Goiaba porque a ponta do seu nariz
estava sempre brilhante e vermelha como uma goiabada
madura.
Logo que o mestre Goiaba viu aquele pedaço de
madeira, ficou muito animado e, esfregando as mãos, falou
sozinho em voz baixa:
— Esta madeira apareceu na hora certa, quero usá-la
para fazer a perna de uma mesinha.
De fato, logo pegou o machado afiado para tirar a
cortiça e desbastá-la; mas ao se preparar para dar a
primeira machadada, manteve o braço no ar, pois escutou
uma voz bem baixinha:
— Não me bata muito forte!
Imaginem como o bom e velho mestre Goiaba ficou!
Zonzo, girou os olhos pela sala para ver de onde teria
saído aquela vozinha, mas não viu ninguém! Olhou
embaixo do banco, e não havia ninguém; olhou dentro de
um armário que ficava sempre fechado, ninguém; olhou no
cestinho de lascas de madeira, ninguém; abriu a porta da
oficina para dar uma olhada inclusive na rua, ninguém. E
então…?
— Entendi — disse, agora rindo e coçando a peruca. —
Aquela vozinha é fruto da minha imaginação. Vamos voltar
ao trabalho.
Pegou novamente o machado e lascou um belo golpe
no pedaço de madeira.
— Ai! Você me machucou! — gritou a mesma vozinha.
Desta vez, o mestre Goiaba ficou duro, com os olhos
arregalados de medo, a boca aberta e a língua pendurada
até o queixo como uma carranca de fonte.
Quando recuperou a fala, ainda tremendo e
gaguejando de susto, disse:
— Mas de onde terá saído essa vozinha que disse “ai”,
se aqui não tem viva alma? Será que por acaso este pedaço
de madeira aprendeu a chorar e a reclamar como uma
criança? É inacreditável. Vejam aqui, esta madeira é um
pedaço de lenha como todas as outras que, quando no
fogo, faz ferver a caçarola de feijão… Ou o quê? Alguém se
escondeu aí dentro? Se houver alguém escondido, azar.
Vou dar um jeito nele!
Ao dizer isso, pegou o pobre pedaço de madeira com
as duas mãos e começou a batê-lo sem dó contra as
paredes da sala.
Depois esperou, para ver se a vozinha reclamava.
Aguardou dois minutos e nada; cinco minutos e nada; dez
minutos e nada!
— Entendi — disse então, fingindo achar graça e
coçando a peruca. —Vejo que aquela vozinha que disse “ai”
foi minha imaginação! Vamos voltar ao trabalho.
Mas como estava com muito medo, tentou cantarolar
para retomar a coragem.
Nesse meio-tempo, deixou o machado de lado, pegou
uma plaina para alisar e polir o pedaço de madeira; mas ao
passá-la de cima a baixo, escutou outra vez a vozinha,
agora rindo:
— Pare! Você está fazendo cócegas no meu corpo
inteiro!
Desta vez, o coitado do mestre Goiaba caiu para trás,
duro. Quando abriu os olhos, estava sentado no chão.
Estava tão transfigurado que até seu nariz, quase
sempre vermelho, ficou azul-turquesa de medo.
2. MESTRE GOIABA DÁ O PEDAÇO DE
MADEIRA PARA SEU AMIGO
GEPPETTO, QUE RESOLVE FABRICAR
UMA MARAVILHOSA MARIONETE QUE
SAIBA DANÇAR, LUTAR ESGRIMA E
DAR SALTOS MORTAIS
N
aquela altura, bateram na porta.
— Entre, faça o favor — disse o marceneiro, sem
forças para se levantar.
Logo entrou na oficina um velhinho muito ágil que se
chamava Geppetto. Os garotos da vizinhança, quando
queriam provocá-lo e deixá-lo com raiva, o chamavam de
Bananinha por causa da sua peruca amarela, que se parecia
muitíssimo com uma banana madura.
Geppetto era ranzinza. Experimente chamá-lo de
Bananinha! Virava uma fera e não havia como segurá-lo!
— Bom dia, mestre Antonio — cumprimentou
Geppetto. — O que faz aí no chão?
— Estou ensinando a tabuada para as formiguinhas.
— Boa sorte!
— O que o trouxe aqui, compadre Geppetto?
— As minhas pernas. Saiba, mestre Antonio, que vim
para pedir um favor.
— Estou aqui, pronto para servi-lo — respondeu o
carpinteiro, ajoelhando-se.
— Hoje pela manhã me veio uma ideia na cabeça.
— Diga.
— Resolvi fabricar uma bela marionete de madeira:
mas uma maravilhosa, que dance, lute esgrima e dê saltos
mortais. Com ela, quero girar o mundo e arrecadar um bom
pedaço de pão e um copo de vinho. Que tal?
— Muito bem, Bananinha — gritou a mesma vozinha,
sem que ninguém soubesse de onde.
O compadre Geppetto, ao ouvir aquele apelido, de
tanta raiva ficou vermelho feito pimentão e disse furioso
ao marceneiro:
— Por que me ofendeu?
— Quem o ofendeu?
— Você me chamou de Bananinha!
— Não fui eu.
— Não? Será que fui eu mesmo? Mas acho que foi
você.
— Não fui!
— Foi, sim!
— Não fui!
— Foi, sim!
Cada vez mais alterados, passaram das palavras aos
fatos e, atracando-se, se arranharam, se morderam e se
chutaram.
Terminado o combate, mestre Antonio estava com a
peruca amarela de Geppetto nas mãos, e Geppetto
percebeu que estava com a peruca grisalha do marceneiro
entre seus dentes.
— Devolva a minha peruca! — gritou mestre Antonio.
— E você, devolva a minha, e aí fazemos as pazes.
Já em posse de suas respectivas perucas, os dois
velhinhos apertaram as mãos e juraram ser bons amigos
pelo resto da vida.
— Então, compadre Geppetto — disse o marceneiro
em sinal de paz —, qual é o favor que quer de mim?
— Queria um pouco de madeira para fabricar a minha
marionete. Você me dá?
Mestre Antonio, todo contente, foi logo pegar sobre a
bancada aquele pedaço de madeira que lhe causou tanto
medo. Mas antes de ser entregue ao amigo, o pedaço de
madeira lhe deu um safanão e escapou com violência de
suas mãos. Foi bater com força nas canelas fininhas do
pobre Geppetto.
— Ai! É com essa elegância que se dá um presente,
mestre Antonio? Quase me aleijou…
— Juro que não fui eu!
— Então fui eu…
— A culpa toda é desta madeira…
— Eu sei que é da madeira, mas quem a jogou nas
minhas canelas foi você!
— Eu não joguei!
— Mentiroso!
— Geppetto, não me ofenda. Eu nunca chamo você de
Bananinha!
— Asno!
— Bananinha!
— Pateta!
— Bananinha!
— Macaco velho!
— Bananinha!
Ao ser chamado de Bananinha pela terceira vez,
Geppetto perdeu a cabeça, avançou sobre o marceneiro e,
novamente, partiram para a briga.
Quando a luta terminou, mestre Antonio tinha dois
arranhões a mais no nariz, e o outro, dois botões a menos
no colete. Estando, assim, quites, apertaram as mãos e
juraram ser bons amigos pelo resto da vida.
Finalmente, Geppetto pegou o seu bom pedaço de
madeira, agradeceu ao mestre Antonio e voltou mancando
para casa.
3. GEPPETTO, AO VOLTAR PARA CASA,
COMEÇA A FABRICAR A MARIONETE E
LHE DÁ O NOME DE PINOCCHIO; AS
PRIMEIRAS MOLECAGENS DA
MARIONETE
A
casa de Geppetto era uma salinha térrea na qual
entrava luz pelo vão debaixo da escada. A mobília
não poderia ser mais simples: uma cadeira bamba,
uma cama meio ruim de dormir e uma mesinha toda
capenga. Na parede do fundo havia uma lareira com o fogo
aceso, mas o fogo era uma pintura, e ao lado estava
pintada uma panela que fervia alegremente e expelia uma
nuvem de fumaça que parecia de verdade.
Assim que entrou em casa, Geppetto logo pegou as
ferramentas e pôs-se a entalhar o seu boneco de pau.
— Que nome darei a ele? — disse a si mesmo. — Vou
chamá-lo de Pinocchio. Esse nome lhe dará sorte. Conheci
uma família inteira de Pinocchios. O pai Pinocchio, a mãe
Pinocchia e os garotos Pinocchinhos. Todos estavam muito
bem de vida: o mais rico deles pedia esmola.
Definido o nome de sua marionete, começou a
trabalhar duro e imediatamente fez o cabelo, depois a
fronte e então os olhos.
Imaginem seu espanto quando percebeu que os olhos
se mexiam e olhavam diretamente para ele.
Geppetto, ao ser encarado por aqueles dois olhos de
madeira, ficou um tanto ofendido e perguntou:
— Olhões de madeira, por que me olham assim?
Ninguém respondeu.
Então, depois dos olhos, fez o nariz. Nem bem
terminado, o nariz começou a crescer: e cresceu, e cresceu,
e cresceu. Em poucos minutos já era um narigão que não
terminava nunca.
O pobre Geppetto se matava de entalhá-lo de novo,
mas quanto mais o desbastava e o cortava, mais comprido
ficava o nariz impertinente.
Depois do nariz, fez a boca.
A boca ainda não estava finalizada quando começou a
rir e a provocar.
— Pare de rir! — irritou-se Geppetto, mas foi como se
falasse com as paredes. — Pare de rir, repito! — gritou
então com voz ameaçadora.
A boca parou de rir, mas mostrou a língua.
Geppetto, para não perder a paciência, fingiu não ter
visto e continuou a trabalhar. Depois da boca fez o queixo,
depois o pescoço, as costas, a barriga, os braços e as mãos.
Assim que terminou as mãos, Geppetto sentiu sua
peruca sendo arrancada de sua cabeça. Olhou para cima e o
que viu? A peruca amarela nas mãos da marionete.
— Pinocchio… devolva imediatamente a minha
peruca!
Mas o Pinocchio, em vez de entregar a peruca, a
colocou em sua própria cabeça, quase sufocando-se com
ela.
Geppetto ficou aflito e melancólico como nunca na
vida diante daquele comportamento insolente. Encarou o
Pinocchio e disse:
— Ô filho levado! Ainda nem está terminado e já falta
com o respeito ao seu pai! Mau, meu garoto, muito mau!
E enxugou uma lágrima.
Faltava fazer as pernas e os pés.
Quando terminou os pés, estes chutaram Geppetto na
ponta do nariz.
— Eu mereço — disse a si mesmo. — Devia ter
pensado melhor antes… Agora é tarde.
Então colocou a marionete no chão, para que ela
andasse pela sala.
As pernas do Pinocchio ainda estavam muito rijas e
ele não conseguia se movimentar, por isso Geppetto o
levava pela mão para que…