Crônicas do Japão

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Crônicas do Japão
Príncipe Toneri e Ō-no-Yassumaro
Edição Bilíngue

Crônicas do Japão

日本書紀
Nihonshoshi
Narrativas Históricas de um Japão Milenar

Príncipe Toneri e Ō-no-Yassumaro
Tradução:
Lica Hashimoto

– ANO 720 –
Crônicas do Japão é a primeira coletânea oficial de his-
tórias do Japão e a segunda fonte mais importante sobre a
mitologia japonesa. A coletânea de 31 tomos foi apresentada
à Corte da 44ª imperatriz Genshō em 720, após 39 anos de
exaustiva consulta a documentos oficiais da Corte; registros
sob a guarda de santuários e templos; pesquisas históricas em
fontes chinesas, coreanas, transcrição de histórias orais de
narrativas mitológicas, folclóricas; e das crenças populares
sobre o processo de constituição do Japão e de seu povo.

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Crônicas do Japão ‒ Tomo I
1
A compilação de Crônicas do Japão teve início em 681, sob
a ordem do 40º Imperador Ten’mu, que designou seu filho, o
príncipe Toneri, coordenador da equipe de redação da obra
em chinês clássico (kanbuntai). O objetivo era criar uma nar-
rativa coesa e linear acerca da linhagem imperial japonesa, ao
estilo das narrativas históricas chinesas de grande prestígio
na Antiguidade. Os dois primeiros tomos relatam a mitologia
japonesa, destacando a origem do mundo e dos deuses; e
1 Imagem retirada do site da World Digital Library: https://www.
wdl.org/pt/item/11835/view/1/3/

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os demais narram a história e os eventos que aconteceram
durante o reinado de 37 imperadores e quatro imperatrizes
apresentados em ordem cronológica, desde o 1º imperador
lendário Jin’mu (711-585 a.C.) até a 41ª imperatriz Jitô (645-
703 d.C.). O 31º e último tomo apresentava a linhagem dos
imperadores, mas este se perdeu nos meandros da história.
O Nihonshoki, Crônicas do Japão, é uma das principais
fontes de estudo da história e do pensamento japonês da
Antiguidade. Possui uma estrutura narrativa singular, es-
pecífica para contar as narrativas do Tomo I, Criação do
Universo, e do Tomo II, Mitologia Japonesa: composto
por um texto-base (honbun) e textos complementares (is-
sho), apresentados um pouco recuados do texto-base, e que
começam com o preâmbulo aru fumini iwaku 一書曰, que
significa “Dizem também que…” e que contam as várias ver-
sões históricas e lendárias de mitos ancestrais transmitidas
oralmente de uma geração para outra.

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Estrutura narrativa da obra Crônicas do Japão, com texto-base
e textos complementares (recuados da margem superior).
2
Fato incontestável é que a estrutura narrativa, composta
de texto-base e textos complementares, garante o registro de
uma plurissignificância de compreensões das várias realidades
percebidas no Japão de outrora. Há, portanto, o cuidado de
tratar a mitologia japonesa como passível de interpretações
diversas e que possui, por exemplo, correlações com mitos
gregos, citas e sármatas (antigos povos iranianos nômades).
2 Imagem do site da World Digital Library: https://www.wdl.org/
pt/item/11835/view/1/6/

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Nesse sentido, Crônicas do Japão revela a existência de uma
cultura polimórfica com a contribuição de elementos das
mais variadas origens.
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Nesta edição, apresentaremos as principais divindades
da mitologia japonesa que protagonizaram a Criação do
Universo. Selecionamos histórias ancestrais que antecederam
a chegada do Deus-do-Mar-e-das-Tormentas que, expulso
do Mundo Celestial, desceu para o Mundo dos Homens para
enfrentar muitas provações. Em seguida, o Tomo II conta
a história de deuses, semideuses e homens-heróis que ante-
cederam a chegada do primeiro imperador lendário Jin’mu,
fundador da nação japonesa e o primeiro da milenar sucessão
imperial que, em 2019, entronizou o imperador Naruhito,
126º da dinastia a ocupar o Trono do Crisântemo.
As histórias contadas no Tomo I mantêm a estrutura
narrativa com texto-base (integral) e textos complementa-
res (selecionados). Há de se ressaltar que algumas histórias
3 A partir do Tomo III (e nos tomos subsequentes) essa obra perde
sua característica de texto fundador e assume a função de nar-
rativa histórica ao apresentar as biografias dos imperadores e os
principais acontecimentos ocorridos durante seus respectivos
reinados. O texto passa a obedecer uma ordem cronológica e busca
estabelecer uma única versão dos fatos, todos cuidadosamente
selecionados no intuito de atribuir legitimidade aos mesmos. Aqui,
decidimos traduzir apenas os textos fundadores.

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têm onze versões complementares, muitas delas extensas.
Para esta edição, portanto, selecionamos os textos comple-
mentares que, segundo critérios acadêmicos referendados
por especialistas, são imprescindíveis para conhecer a base
da formação do pensamento japonês e, nesse sentido, gos-
taríamos de oferecer aos nossos leitores contemporâneos
a experiência singular de ler uma obra escrita no século
8, distante no tempo e no espaço, que, mais do que contar
histórias, nos instigam a (re)aprender a desconfiar de uma
história única e oficial.

TOMO I

1.

CRIAÇÃO DO UNIVERSO
Outrora, Céu-Terra eram indistintos
Yinyang não eram Yin e Yang
E o etéreo Céu-Terra era como o ovo de um pássaro.
Outrora, efêmero sinal surgiu nessa indistinção.
Era a Luz.
Luz de luminosa magnificência que, ao preencher a fron-
dosa imensidão, tornou-se Céu, enquanto algo pesado e
turvo tornava-se Terra.
Distintos Céu e Terra, surgiram divindades.
Quando da criação do Universo, o Japão era como peixes
flutuando na água.
Criados Céu e Terra, surgiram coisas.
Coisas que pareciam brotos de junco em germinação.
Brotos que transformaram em três divindades supremas
de nome:

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Kuni-no-Tokotati-no-Mikoto 国常立尊 Divindade-
-Perpetuadora-do-Mundo-Terrestre, Kuni-no-Satsuti-no-
-Mikoto 国 狹 槌 尊 Divindade-dos-Solos-Primordiais-
-e-Férteis, e Toyokunimushi-no-Mikoto 豊 斟 渟 尊
Divindade-dos-Campos-e-das-Nuvens-Férteis.
Dizem também que…
Após a separação entre o Céu e a Terra,
coisas indistintas vagavam no Céu de
onde surgiram deuses Kuni-no-Tokotati-
no-Mikoto 国常立尊 Divindade-
Perpetuadora-do-Mundo-Terrestre,
Kuni-no-Satsuti-no-Mikoto 国 狹 槌 尊
Divindade-dos-Solos-Primordiais-e-Férteis,
e Toyokuninushi-no-Mikoto 豊 斟 渟 尊
Divindade-dos-Campos-e-das-Nuvens-
Férteis.
Dizem também que…
Após a separação entre o Céu e a Terra,
surgiram dois deuses,
Kuni-no-Tokotati-no-Mikoto 国常立尊
Divindade-Perpetuadora-do-Mundo-
Terrestre e Kuni-no-Satsuti-no-Mikoto 国 狹

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槌 尊 Divindade-dos-Solos-Primordiais-
e-Férteis. Em seguida, surgiram Takami-
Mussubi-no-Mikoto 高皇産靈尊 Suprema-
Divindade-da-Força-Criadora e, em seguida,
Kamumi-Mussubi-no-Mikoto 神皇産靈尊
Altíssima-Divindade-da-Força-Criadora.

2.

QUATRO PARES DE DIVINDADES
Em seguida, surgiram oito deuses.
Urridini-no-Mikoto 泥土煮尊 Supremo-Deus-do-
Barro-e-da-Argila e
Surridini-no-Mikoto )5|d`?# Suprema-Deusa-da-
Areia.
Ōtonodi-no-Mikoto 大戸之道尊 Supremo-Deus-da-
Fertilização e
Ōtomabe-no-Mikoto 大苫邊尊 Suprema-Deusa-da-
Fertilização.
Omodaru-no-Mikoto 面足尊 Supremo-Deus-da-
Plenitude e
Kashikone-no-Mikoto 惶根尊 Suprema-Deusa-da-
Plenitude.

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Izanaki-no-Mikoto 伊弉諾尊 Supremo-Deus-da-
União e
Izanami-no-Mikoto 伊弉冉尊 Suprema-Deusa-da-
União.
Dizem também que…
Izanaki-no-Mikoto 伊弉諾尊 Supremo-
Deus-da-União e Izanami-no-Mikoto 伊弉冉
尊 Suprema-Deusa-da-União são filhos da
Aokashikine-no-Mikoto 青橿城根 Suprema-
Divindade-da-Aparência-Perfeita.
Dizem também que…
A Divindade-Perpetuadora-do-
Mundo-Terrestre deu à luz Ama-no-
Kagami-no-Mikoto 天鏡尊 Suprema-
Divindade-dos-Espelhos, que deu à luz
Ama-no-Yorozu-no-Mikoto 天万尊 Suprema-
Divindade-de-Tudo-que-Existe-no-
Universo, que deu à luz Awanagui-no-Mikoto
沫蕩尊 Suprema-Divindade-das-Espumas,
que deu à luz Izanaki-no-Mikoto, o Supremo-
Deus-da-União.

3.

SETE GERAÇÕES DE
DIVINDADES-DA-CRIAÇÃO
Os oito deuses nasceram em pares após a união do Yin e
Yang. Os quatro pares de deuses e as três divindades ante-
riores formam as sete gerações de Divindades-da-Criação.
Dizem também que…
Nasceram em pares os deuses Urridini-no-
Mikoto 泥土煮尊 Supremo-Deus-do-Barro-
e-da-Argila e Surridini-no-Mikoto )5|d`
尊 Suprema-Deusa-da-Areia. Seguidos
das divindades Tsunokui-no-Mikoto 角樴尊
Supremo-Deus-da-Germinação e Ikukui-
no-Mikoto 活樴尊 Suprema-Deusa-da-
Germinação. E das divindades Omodaru-no-
Mikoto 面足尊 Supremo-Deus-da-Plenitude
e Kashikone-no-Mikoto 惶根尊 Suprema-
Deusa-da-Plenitude e do casal de divindades
Izanaki-no-Mikoto 伊弉諾尊 Supremo-Deus-

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da-União e Izanami-no-Mikoto 伊弉冉尊
Suprema-Deusa-da-União.

4.

A ILHA-POR-SI-SÓ-
SOLIDIFICADA E O
ARQUIPÉLAGO DO PAÍS-DAS-
OITO-GRANDES-ILHAS
Izanaki-no-Mikoto, o Supremo-Deus-da-União e Izanami-
-no-Mikoto, a Suprema-Deusa-da-União que a partir de agora
chamaremos Deus-Izanaki e Deusa-Izanami, estavam em pé,
conversando em Ama-no-Ukirrashi 天浮橋 Ponte-Celestial-
-Flutuante, quando o Deus-Izanaki indagou:
— Será que existe alguma coisa embaixo desta ponte? —
e, para verificar, revolveu as águas com a Ama-no-Nuboko
天之瓊矛 Lança-Celestial-Cravada-de-Joias e constatou
que havia um imenso mar azul e profundo. A gota de água
salgada que pingou da ponta da lança caiu no oceano e se
solidificou formando uma ilha. Denominaram essa ilha de
Onogoro-shima 磤馭慮嶋 Ilha-Por-Si-Só-Solidificada.
O Deus-Izanaki e a Deusa-Izanami desceram até a Ilha
e ergueram, no centro, um Kuninaka-no-Mirrashira 国中之
柱 Sagrado-Pilar-dos-Espíritos. Juntos, desejaram construir
um país. O Deus-Izanaki deu a volta no Sagrado-Pilar pela

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esquerda e a Deusa-Izanami deu a volta pela direita; ao se
encontrarem, a Deusa exclamou:
— Que felicidade encontrar um homem tão belo!
O Deus-Izanaki não ficou feliz com o comentário e disse:
— Eu é que sou o homem. O correto é que eu faça a corte.
Por que você tomou a iniciativa? Isso não está certo. Vamos
começar tudo de novo.
As duas divindades deram novamente a volta no Sagrado
Pilar e, ao se reencontrarem, o Deus-Izanaki disse:
— Que bela mulher encontrei! — e prosseguiu: — O seu
corpo tem algo sobrando?
A Deusa-Izanami respondeu:
— O meu corpo tem algo faltando.
— O meu tem algo a mais. Vamos nos unir e nos com-
pletar — respondeu o Deus Izanaki.
E assim aconteceu a noite de núpcias. A união gerou uma
ilha de placenta que desagradou o casal, que a chamou de
Awadi-no-shima 淡路島 Ilha-de-Espuma.
Em seguida, surgiram as ilhas Ō-Yamato-Toyoakizu-shima
大日本豊秋津洲 , Iyo-no-Futana-no-shima 伊予二名洲 ,
Tsukushino-shima 筑紫洲, as ilhas gêmeas Oki-no-shima 隠
岐洲 e Sado-no-shima 佐渡洲, que explica o nascimento de
crianças gêmeas. Em seguida nasceram Koshi-no-shima 越
洲, Ōshima 大洲 e Kibi-no-koshima 吉備子洲 .

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As oito ilhas foram denominadas Ōya-shima-kuni 大八洲
国 País-das-Oito-Grandes-Ilhas. As ilhas de Tsushima 対馬
e Iki-no-shima 壱岐島 — e todas as demais ilhas espalhadas
no oceano — nasceram da solidificação da espuma criada
pela agitação da água do mar.
Dizem também que…
Os deuses de Takama-no-hara 高天原
Mundo-Celestial ordenaram ao Deus-
Izanaki e à Deusa-Izanami:
— É hora de partir e governar Toyoashirrara-
no-Ti’irro-Aki-no-Mizurro 豊葦原千五
百秋o País-dos-Juncos-e-das-Colheitas-
Abundantes — e entregaram ao casal de
deuses a Ama-no-Nuboko 天之瓊矛 Lança-
Celestial-Cravada-de-Joias.
Eles partiram para a missão divina.
Chegaram em Ame-no-Ukirrashi 天の浮橋
Ponte-Celestial-Flutuante, que unia o Céu
à Terra e, de cima dela, o casal de deuses
agitou, com a lança, o mar azul e profundo.
Ao erguer a lança, caíram algumas gotas da
sua ponta que se solidificaram e formaram
uma ilha à qual deram o nome de Onogoro-

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shima 磤馭慮嶋 Ilha-Por-Si-Só-Solidificada.
O casal de deuses desceu para ilha e, no
centro dela, ergueram um pilar celeste e
construíram um palácio magnífico. O Deus-
Izanaki perguntou:
— O seu corpo tem algo sobrando?
— Ele…

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