EDGAR ALLAN PÖE
O CORAÇÃO DELA TOR
FREE BOOKS EDITORA VIRTUAL – CLÁSSICOS
ESTRANGEIROS
TERROR-HORROR-FANTASIA
Título: “O Coração Delator”.
Autor: Edgar Allan Pöe (1809 – 1849).
Tradução atribuída a S. de M. Texto publicado originalmente na
Gazeta da Tarde, Rio de Janeiro, edição de 24 de abril de 1890.
Imagem da capa: Harry Clarke (1889-1931).
Leiaute da capa: Canva.
Série: Clássicos Estrangeiros – vol. 44.
Obra original de domínio público (Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro
de 1998, art. 41).
Direitos da tradução: Domínio público, nos termos do art. 43 da
Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.
Ano: 2018
SUMÁRIO
O CORAÇÃO DELATOR
SOBRE O AUTOR
O CORAÇÃO DELATOR
Sim! Sou muito nervoso, terrivelmente nervoso, mesmo ― e
sempre o fui; mas por que me supõem louco? A doença tornou
mais aguçados os meus sentidos ― não os destruiu, não os
embotou. Mais do que os outros, tenho uma audição
aguçadíssima. Ouço admiravelmente bem todos os sons
produzidos no céu e na terra. Tenho ouvido até muitas coisas do
inferno. Como posso, pois, ser um louco? Atenção! Reparem bem
com que perfeita lucidez, com que tranquilidade de espírito eu
vou contar-lhes toda a história.
Ser-me-ia completamente impossível dizer-lhes como
primitivamente a ideia entrou no meu cérebro; mas, uma vez
concebida, nunca mais me abandonou, noite e dia. Fim, não tinha
algum. A paixão foi estranha ao caso, por completo. Eu estimava
deveras o pobre velho, que nunca me fizera o menor mal, que
nunca me insultara. Nem mesmo invejava o seu dinheiro. Creio
que foi o seu olho! Sim foi isso, decerto! Um dos olhos dele
parecia os dum abutre ― um olho azul claro, recoberto por uma
película nevoenta. Cada vez que esse olho me fitava, sentia gelar-
me o sangue; e assim, lentamente ― por graus ― muito
gradualmente ―, introduziu-se na minha mente a ideia de
arrancar a vida do velho, para, dessa forma, me livrar para
sempre daquele olho.
Agora, este é o ponto. Os senhores supõem-me louco. Os
loucos não sabem de nada. Se me vissem! Se vissem com que
inteligência eu procedia! Com que precaução, com que prudência,
com quanta dissimulação eu meti as mãos à obra! Eu nunca fora
mais solícito para o velho do que durante a semana inteira que
precedeu o crime. E todas as noites, pela meia-noite, levantava o
trinco da porta do quarto dele, e abria-a ― oh, tão devagarinho! E
então, depois de suficientemente a entreabrir, introduzia no
quarto uma lanterna de furta-fogo, fechada, hermeticamente
fechada, que não deixava passar um mínimo raio de luz; em
seguida metia a cabeça pela abertura! Oh, se vissem teriam rido
da destreza com que eu metia a cabeça! Movia-se lentamente ―
muito, muito lentamente ―, de maneira a não perturbar o sono
do velho. Levei seguramente mais de uma hora para meter a
cabeça pela abertura, muito antes de poder vê-lo deitado no leito!
Ah! Um louco seria, porventura, tão prudente? Depois, quando
tinha a cabeça dentro do quarto, abria a lanterna com precaução
― oh, com que precaução! ― porque o gonzo rangia. Abria então
a lanterna de tal modo que o raio de luz fosse justamente incidir
no olho de abutre. E fiz isto durante sete longas noites ― cada
noite, à meia-noite ―, mas encontrei sempre o olho fechado, de
molde a não poder, portanto, concluir o meu trabalho; foi por isso
que disse não odiar eu o velho; o que eu odiava era o seu Olho
Maldito! E todas as manhãs, logo que o dia nascia, entrava
ousadamente em seu quarto, falava-lhe corajosamente, tratando-o
pelo seu nome num tom cordialíssimo, e informando-me de como
passara a noite. Bem veem que ele seria possuidor de uma
dissimulação rara se desconfiasse que, a cada noite, à meia-noite
em ponto, eu o examinava enquanto dormia.
Na oitava noite fui ainda mais prudente: abri a porta com
mais precaução. A minha mão não fazia mover a porta com mais
rapidez do que se move um ponteiro dum relógio….