quebre os seus sapatinhos de cristal
quebre os seus sapatinhos de cristal
amanda lovelace
tradução
debora fleck
Título original: break your glass slippers
Copyright do texto © 2020 Amanda Lovelace
Copyright das ilustrações © 2020 Janaina Medeiros
Originalmente publicado nos Estados Unidos por Andrews McMeel
Publishing, uma divisão da Andrews McMeel Universal, Kansas City,
Missouri.
Tradução para língua portuguesa © 2021 Casa dos Mundos / LeYa Brasil,
Debora Fleck
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.02.1998.
É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora.
Editora executiva: Izabel Aleixo
Produção editorial: Carolina Vaz e Emanoelle Veloso
Diagramação: Filigrana
Adaptação de capa: Kelson Spalato
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica llacqua CRB-8/7057
Lovelace, Amanda
Quebre os seus sapatinhos de cristal / Amanda Lovelace; tradução de
Debora Fleck; ilustrado por Janaina Medeiros. – São Paulo: LeYa Brasil,
2021.
160 p.: il, color.
ISBN 978-65-5643-117-8
Título: Break your glass slippers
1. Poesia americana 2 I. Título II. Fleck, Debora III. Medeiros, Janaina
21-2648 CDD 811
Índices para catálogo sistemático:
1. Poesia americana
LeYa Brasil é um selo editorial da empresa Casa dos Mundos.
Todos os direitos reservados à
CASA DOS MUNDOS PRODUÇÃO EDITORIAL E GAMES LTDA.
Rua Frei Caneca, 91 | Sala 11 – Consolação
01307-001 – São Paulo – SP
www.leyabrasil.com.br
para aquelas que
quebram sapatinhos de cristal e também tetos de vidro.
alerta de gatilho
este livro
contém
material sensível
relacionado a:
abuso infantil,
amizades tóxicas,
relacionamentos tóxicos,
assédio sexual,
transtornos alimentares,
gordofobia,
suicídio,
trauma
& talvez mais.
lembre-se de praticar
o autocuidado
antes, durante & depois
da leitura.
sumário
i
ii
iii
prefácio
Quando eu era criança, aprendi que contos de fadas eram perigosos.
Se você acredita demais neles, de forma literal, pode acabar sob os
efeitos de um feitiço sombrio criado pela sua própria imaginação: vai
viver sonhando com príncipes encantados e desejando que alguém
venha salvá-la dos problemas da vida. Foi só poucos anos atrás,
quando tropecei na lúcida obra da amanda lovelace numa livraria,
durante uma tarde fria de fog inglês, que percebi como os contos de
fadas podem nos fortalecer.
Em quebre os seus sapatinhos de cristal, amanda dá vida a uma história
que muitas de nós amávamos quando éramos crianças, mas que
passamos a questionar quando crescemos. As palavras dela unem
com maestria e beleza o contemporâneo e o tradicional, criando uma
fábula lírica de esperança, força interior e coragem.
A Cinderela deste livro é uma sobrevivente, em todos os sentidos.
Ela se ergue das profundezas de um abismo criado no desespero e se
torna uma potência notável – o tempo todo vai nos mostrando como
há força na vulnerabilidade e coragem verdadeira na aceitação de
quem nós somos.
A mensagem neste fascinante livro de poesia é clara: leia este conto
de fadas moderno, desfrute-o e compartilhe com quem você ama.
Permita-se aprender que a magia que você procura já existe dentro
de você e está apenas à espera de uma faísca. Permita-se lembrar de
sua essência através de palavrinhas mágicas capazes de despertar
sua chama interior.
Aqui, todas nós somos a Cinderela, nossa própria fada-madrinha e,
o melhor de tudo, nosso próprio príncipe.
Que a magia ajude você a criar a sua versão do “felizes para
sempre”.
Que sua alma se sinta plena e radiante nesse processo.
Nikita xxx
nota da autora
no âmago desta coletânea de poemas está uma nova versão para um
dos contos de fadas mais conhecidos e apreciados do mundo,
cinderela. assim, imagino que você a encare como uma obra de ficção.
no entanto, esta história também é inspirada em muitas experiências
vividas por mim, bem como em experiências reais de muitas
mulheres.
ela é a cinderela.
eu sou a cinderela.
você também pode ser a cinderela, se achar que algum trecho desta
história dialoga com a sua vida.
com muito amor,
amanda
deixe-me contar uma história triste
há uma garota que
só canta quando
todas as janelas
estão fechadas.
como muitas garotas,
ela vem aprendendo
o dom do silêncio
desde o nascimento.
todos
subestimam
a importância
de sua voz,
& o mais trágico
de tudo é que
ela subestima
também.
deixe-me contar uma história ainda mais triste
há uma garota que
só dança quando
todas as cortinas
estão fechadas.
como muitas garotas,
ela vem aprendendo
o dom da invisibilidade
desde o nascimento.
ninguém
nunca se preocupa
em ver como
ela é especial,
então ela
decide dançar
com a própria
sombra.
i
era uma vez um homem que deu à filha um par de sapatinhos de
cristal. ela os apertou junto ao peito, e as lágrimas jorraram de seus
olhos. foi então que ele disse: “foram feitos com minhas mãos, um
pouco de suor & um tanto de pozinho mágico. sempre vão lhe
servir, mesmo que você cresça mais que um pé de feijão. nunca vão
escorregar, mesmo que você seja obrigada a andar sobre o gelo a
noite toda. e o melhor de tudo, nunca, jamais, vão quebrar, exceto
em caso de emergência”.
sempre que ela passa, os garotos cochicham entre si: “cuidado com
os patinhos feios que nem ela. você a trata mal hoje & corre o risco
de ela esquecer tudo sobre você quando se transformar num belo
cisne”. eles nunca imaginaram que ela ouvia o que diziam.
– ela ouvia tudo.
diz a fada madrinha
ser bonita
não está
entre
as
suas
obrigações.
“ninguém jamais vai querer uma garota gorda como você.”
– a madrasta.
diz a fada madrinha
você não precisa ter determinada aparência
para merecer o coração de alguém.
pouco importa sua forma –
pouco importa seu tamanho –
orgulhe-se do espaço
que seu corpo se atreve a ocupar.
há irmãs
que se veem
como eternas
rivais
quando deveriam
se ver
como eternas
aliadas,
o que significa:
algumas irmãs
não são irmãs
coisa nenhuma.
– ela precisou aprender essa lição
da forma mais difícil.
diz a fada madrinha
algumas pessoas simplesmente se empenham em ser indelicadas &
não é trabalho seu convencê-las a mudar. tudo que você pode fazer é
dar a elas toda a sua delicadeza & se elas não retribuírem é porque
não merecem a sua doçura.
o amor
da família
não deveria
ser
incondicional?
indestrutível?
se eles não
me amam,
então quem
vai me amar?
ela pensa
consigo mesma.
– a primeira decepção.
diz a fada madrinha
não sei se alguém
já falou isso para você, mas:
a ausência de amor da parte deles
não torna você nem um pouco
menos amável.
dentro do minúsculo provador, ela enfia um vestido atrás do outro
como se tentasse se enfiar na vida de outra pessoa.
– para seu desalento, o reflexo no espelho continua igual.
diz a fada madrinha
quando você passa
o tempo todo
se imaginando
na pele de outra pessoa,
sua história pessoal
deixa de ser escrita
& não há nada
mais doloroso
do que isso.
toda noite, quando finalmente está sozinha, ela pega um marcador
vermelho & circula as partes do corpo que mais gostaria que
desaparecessem – as coxas, a barriga, os braços –, até não sobrar
nenhuma parte intacta.
– “nada vai ser o suficiente, nunca”, sussurra ela.
diz a fada madrinha
em certos dias,
seu corpo vai parecer uma gaiola.
nesses dias,
prenda flores nas grades.
sempre que alguém lhe pergunta como está, ela nunca consegue
dizer como está se sentindo de verdade. é sempre estou bem ou ótima
ou muito bem, e você? a última coisa que ela gostaria de fazer é
incomodá-los – ou, pior, parecer autocentrada.
– ela só quer que alguém a pegue na mentira.
diz a fada madrinha
fale a sua verdade –
custe o que custar.
depois,
perceba
quem não apenas
ouve você
mas também se dispõe a
aplaudir sua coragem.
tem dias em que ela vê uma garota no trem ou numa revista & fica
na dúvida sobre o que preferiria:
i. ser a garota.
ii. ser a melhor amiga da garota.
iii. beijar a garota.
– caleidoscópio.
diz a fada madrinha
pouco importa
quem você queira beijar
desde que
haja consentimento.
“se você quer usar sua blusa cropped, então use sua blusa cropped. se
alguém se atrever a apontar para suas estrias ou para o tamanho da
sua barriga, diga que todos os corpos são feitos da mesma
quantidade de poeira estelar & isso não é incrível? não é muito
especial?”
– sua melhor amiga.
diz a fada madrinha
tem algo
quase sobrenatural
na amizade
entre duas garotas,
não tem?
elas só querem saber de
proteger, proteger, proteger.
com toda intensidade.
com toda intensidade.
meu conselho para você:
não a subestime.
nunca.
ele tem a melhor risada,
sapatos sempre desamarrados
& o coração maior
que o da baleia-azul.
ela só queria
conseguir amá-lo
como ele a ama,
mas não consegue.
quando conta para ele,
ele explica
que ela lhe deve isto:
amá-lo de volta.
– o garoto cheio de ideias equivocadas.
diz a fada madrinha
as vilãs quase nunca têm a aparência de bruxas cacarejantes,
madrastas cruéis ou meias-irmãs malcriadas. são muito mais
discretas do que isso & acho que é justamente o que as torna tão
perigosas. em alguns capítulos do seu conto de fadas pessoal, você
vai encontrá-las escondidas por toda parte – até no rosto de quem
você mais preza. elas só revelam suas verdadeiras intenções depois
de você já ter confiado muito nelas &, como num passe de mágica,
todo mundo que você conhece se transforma em gente estranha.”
ela está sempre querendo saber como as pessoas estão, embora elas
nunca retri buam. se simplesmente não se preocupam ou se a
consideram mais bem equipada para a vida, ela não tem certeza.
às vezes sua mente vai até o recôndito mais escuro – aquele lugar
onde ela se pergunta se alguém perceberia se ela uma noite
desaparecesse de vez.
– esquecida.
diz a fada madrinha
sem você aqui,
a lua & as estrelas
despencariam.
as montanhas rachariam
ao meio.
os castelos
virariam pó.
os livros arderiam
em chamas.
ainda não é hora de partir.
aonde ela vai
quando está se sentindo
muito, muito
triste?
sobe até as nuvens
e enche a cabeça de
ideias fantasiosas sobre
como será o seu futuro:
o céu mais límpido.
um homem lindo, de terno.
uma casa de corredores enormes
para as crianças correrem.
– seu maior erro é esquecer de si mesma ao longo do caminho.
diz a fada madrinha
você é ilimitada.
pode ter o batom.
pode ter a espada.
tem uma história que ela conta a si mesma desde garotinha. para que
ela fosse criada, uma bruxa teve que colocar diversos ingredientes
num caldeirão borbulhante – coisas como glitter, coragem & sede
por contos de fadas com finais felizes. hoje ela fica pensando se a
bruxa não teria esquecido o ingrediente principal: aquilo que a
tornaria suficientemente boa.
– poção.
diz a fada madrinha
não é fácil
a gente se aceitar como é.
algumas pessoas passam a vida inteira
tentando dominar essa arte.
mas se tem alguém com capacidade
de enfrentar o desafio,
esse alguém é você.
era como se ela tivesse nascido invisível &…